São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
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Razão e vontade

ANDRÉ LARA RESENDE

Francis Fukuyama é autor do livro "O Fim da História e o Último Homem", de 1992. A tese é que a democracia capitalista é a forma definitiva de organização social com liberdade e a história teria, assim, chegado ao final. A bem da verdade, não sei se a tese é exatamente essa. Incluo-me entre os milhares que ouviram falar do livro, não gostaram, mas nunca se deram ao trabalho de lê-lo.
Em entrevista reproduzida na Folha de domingo, os entrevistadores lembram que desde a publicação do livro de Fukuyama houve graves conflitos étnicos, a Guerra do Golfo, os regimes socialistas do Leste Europeu desapareceram e a União Soviética se pulverizou. Nada do que aconteceu nos últimos anos o levou, entretanto, a mudar de idéia, afirma Fukuyama.
Nunca pretendeu que todos os problemas teriam sido definitivamente solucionados, mas apenas que não existe alternativa para a democracia capitalista e para o capitalismo global. A tese do fim da história, assim entendida, é bem menos ambiciosa. Nem por isso menos polêmica.
A superioridade do capitalismo para criar riqueza, continua Fukuyama, não lhe garante, contudo, a condição de solução para todos os males sociais e espirituais da humanidade. Até aqui, estamos todos de pleno acordo. Tenho a impressão de que, mesmo entre os mais radicais críticos do capitalismo, é difícil encontrar quem não lhe reconheça a extraordinária capacidade de produzir riquezas. As queixas são de outra ordem. Também entre os seus mais ardorosos defensores não é possível encontrar quem o tome como o elixir milagroso contra todas as nossas mazelas.
Tenho, entretanto, a impressão de que Fukuyama, apesar de todas as salvaguardas, é excessivamente otimista em relação ao capitalismo liberal globalizado dos nossos tempos. Incluo-me entre os que não vêem, hoje, melhor alternativa para a organização da sociedade. Mas, além de concordar que o capitalismo não é a solução de todos nossos problemas, acredito que a sociedade e os valores criados pelo capitalismo moderno estão longe do desejável. Em muitos aspectos, o capitalismo desvirtua e nos afasta necessariamente do que deveríamos almejar.
Acontece que, simplesmente, não parece haver alternativa: só o capitalismo democrático e globalizado poderá nos habilitar a questioná-lo. A insuperável capacidade de criação de riqueza do capitalismo liberal é, hoje, a única via para o seu aprimoramento. Faço parte, portanto, dos que se vêem na desconfortável posição de defender um sistema que não lhes agrada para habilitar-nos à sua eventual superação.
Não me identifico, portanto, com as previsões do otimismo, ainda que com ressalvas, de Fukuyama. Em seu último livro, "O Tempo da Memória", Norberto Bobbio, o octogenário pensador italiano, concorda com a afirmação de que o otimismo é o grande inimigo da humanidade. Trata-se pura e simplesmente da recusa de pensar. Segundo Bobbio, um pessimismo cósmico, a profunda convicção da radical inexplicabilidade e insuperabilidade do mal, da maldade e do sofrimento, o acompanhou durante toda a vida.
O pessimismo da razão e o otimismo da vontade, fórmula que embora Bobbio refute para si mesmo sintetiza a vida desse extraordinário pensador que elegeu a democracia, a paz e os direitos do homem como seus grandes temas. Não sei se o livro de Fukuyama merece ser lido, mas o de Bobbio, com certeza, é leitura obrigatória.

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