São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Cuidado: arma-se uma nova tunga

ELIO GASPARI

O ministro da Previdência, Reinhold Stephanes, revelou que o governo caiu numa armadilha e está amadurecendo a idéia de uma belíssima tunga no bolso da classe média.
A armadilha foi a seguinte: desde 1985 o mercado de trabalho brasileiro registra uma queda do número de trabalhadores com carteira assinada. Em 1994, eles deixaram de ser maioria. Nos primeiros 20 meses do Plano Real, o número de trabalhadores sem carteira assinada cresceu 8,1%, e o governo viu nisso um fator de progresso. Um gênio do Ministério do Trabalho chegou a ensinar aos tapuias: "Eu quero desmistificar a idéia de que a informalidade é necessariamente ruim. É claro que o informal é muito heterogêneo. Tem de camelô até o sujeito que trabalha com a Internet, dentro de casa, ligado ao mundo".
(Um levantamento do Instituto de Pesquisas e Economia Aplicada, o Ipea, informa que, entre 85 e 95, no setor de serviços, a categoria que mais cresceu foi a de vendedores ambulantes. O número de pessoas que ganham seu Big Mac de cada dia na Internet é certamente menor que o de camelôs de Recife.) Em quase três anos de governo, o tucanato foi um fiel parceiro da informalidade, mesmo sabendo que os assalariados sem carteira assinada ficam quase sempre fora dos benefícios de alimentação, transporte e saúde. Enquanto sacralizavam o trabalho clandestino (para o empregador, que se livra dos encargos sociais), fizeram uma reforma da Previdência que jogava no mar algo como 30 milhões de pessoas sem carteira assinada. Gente que, tendo trabalhado sem recolher as contribuições para a Previdência, só poderá se aposentar, com micromixarias, depois dos 60 anos. Nunca é demais repetir que 80% dessa gente vai buscar até dois salários mínimos, nada a ver com as aposentadorias dos gatos gordos do governo e do Congresso.
O estratagema tucano-pefelê deu errado porque, entre 1991 e 1996, o número de trabalhadores com carteira caiu de 8 milhões para 7,6 milhões, enquanto a soma dos que trabalham por conta própria ou sem carteira passou de 3,8 milhões para 8,5 milhões. Isso significa que 8,5 milhões de brasileiros saltaram do bonde da Previdência. Uns porque conseguiram condução melhor. Outros porque foram jogados na rua. Disso resulta que a nova Previdência, reformada e moderna, livre daquilo que o ministro Pedro Malan chama de "abusos adquiridos", ficou sem financiadores. Faltando quem financie, inventa-se um novo financiamento.
A tunga viria assim: o ministro informa que o governo se surpreendeu diante do crescimento do setor que chama de informal e matuta a idéia de cobrir a diferença com mais um imposto. Saber do crescimento do setor informal, o ministro sabia. Desde que o governo tomou posse essa é uma série estatística banal. No ano passado, um estudo do Ipea editado pela ONU informava que a transformação dos metalúrgicos da Ford em vendedores de cachorros-quentes em "vans" Toyota desqualificava o emprego. Advertia que os sem-carteira "têm seu acesso ao mercado limitado a postos de trabalho de baixa qualidade e condições precárias".
Fazendo de conta que o fenômeno era imperceptível, cabe a pergunta do ministro Stephanes à repórter Eliane Oliveira:
"Se eu não tenho mais gente no mercado formal para contribuir, quem vai pagar a conta dos atuais aposentados?" (A dele, inclusive.)
Stephanes quer criar um novo imposto, semelhante ao CPMF. Como funcionaria, ainda não se sabe, mas está com todo o cheiro de um avanço sobre o bolso de quem ganha seu dinheiro por conta própria, ou mesmo dos trabalhadores sem carteira que têm conta em banco.
É tunga. Se o governo não tem coragem de criar um imposto previdenciário, porque não tem moral para justificar as aposentadorias milionárias dos marajás do Estado, problema dele. Pode-se supor que a sociedade brasileira aceitaria um novo tributo para beneficiar os trabalhadores que se aposentam com menos de dois salários mínimos, desde que esse ervanário não fosse desviado para engordar pançudos. Pelo que se viu na reforma da Previdência, ao andar de baixo tomou-se tudo, e ao de cima, nada. O ministro Stephanes reconhece que a redução do número de trabalhadores com carteira assinada contamina o futuro da reforma que está no Congresso. Pois, nesse caso, antes de avançar sobre o bolso da classe média, e talvez até mesmo de trabalhadores humildes, o melhor que teria a fazer seria retirar o projeto. Retira o projeto e refaz as contas. A esta altura, o monstrengo que tramita em Brasília tornou-se o único caso da história de uma reforma que está falida antes mesmo de ser aprovada.

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