São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Os donos da crise

JANIO DE FREITAS

Em nenhum momento, desde o início do movimento das PMs, o Ceará figurou entre as situações críticas, nem mesmo entre as potencialmente preocupantes. O Estado não foi sequer mencionado no noticiário que ontem já adotava ares de crise encerrada, ou agora deslocada das ruas para os cofres estaduais. Apesar disso, não foi por acidente imprevisível que o mais grave episódio da crise aconteceu no Ceará.
A recusa de reposições salariais é baseada no argumento, comum a todos os governadores, da falta de disponibilidade financeira. Mas o argumento é apenas relativo mesmo nos Estados, a maioria deles, em que a situação financeira é má. E são os próprios governadores que demonstraram a relatividade de sua razão: os cofres não engordaram de repente, mas os governadores fizeram propostas ou contrapropostas de reposição nos Estados todos em que as polícias acirraram suas reivindicações.
As situações financeiras de muitos Estados vão piorar, sim. É legítimo admitir, porém, que vão agravar-se mais do que o necessário. Como resultado de negociações em circunstâncias desfavoráveis aos governadores, tanto pela exacerbação a que os reivindicadores chegaram, como pela conveniência de apressar a solução para um quadro cheio de riscos.
Se de algum modo haverá recursos para as reposições negociadas e se os governadores sabiam, e todos sabiam, da crescente exasperação com a crescente falta de reposições salariais, a crise e os gastos mais altos eram evitáveis. Ou melhor, seriam. Caso a noção de regime democrático fosse menos rejeitada pelos governantes brasileiros em geral, a começar do mais elevado deles.
A predominância do autoritarismo conduz os governantes à suposição obtusa de que os cidadãos têm que se sujeitar, mudos e passivos, ao que os detentores do poder político e administrativo pretendam. Um mínimo de senso democrático os levaria à providência de prevenir, com domínio pleno da situação, exasperações de difícil controle. Nada mais seria necessário, para isso, do que a adoção de políticas salariais atenuadoras, aquém mesmo das reposições corretas, mas ainda assim capazes de manter os estados de ânimo em níveis normais. Todos já vimos procedimentos semelhantes na empresa privada, com o melhor resultado.
Uma tabela com os aumentos percentuais nas folhas dos Estados, publicada no "Globo" para mostrar os efeitos das reposições concedidas, mostrava, por exemplo, que a folha do Rio Grande do Sul está onerada em 1,8%. Isso mesmo, um centésimo e oito décimos de centésimo. Seria mesmo o caso de esperar que a Polícia Militar de lá fosse para a rua como manifestante? Assim como o ato ilegal e rebelde fez o governo gaúcho imaginar um escalonamento assimilável pelos seus cofres, um pouco menos de autoritarismo anacrônico teria proposto a mesma solução, é provável com menos custo, com o mesmo resultado tranquilizador.
Por ora, o Estado que mais está onerado com a reposição negociada é Minas: sua folha cresceu 8,57%. O autoritarismo, porém, não precisa nem pode crescer mais.

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