São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Preços e polícia

PEDRO DUTRA

Deflagrada a Primeira Guerra Mundial, em 1914, cresceu a demanda externa por produtos primários, mas o Brasil não soube articular internamente os benefícios desse novo quadro.
Em 1917, um ano antes do término do conflito, os preços dos gêneros de consumo popular disparavam em São Paulo e no Rio de Janeiro, estimulando greves e inquietações sociais. À sua própria incompetência, reagiu o governo federal pondo a polícia nas ruas para reprimir os manifestantes e criando o Comissariado de Alimentação Pública, para "inquirir os custos de produção e de venda" daqueles produtos.
Nenhuma das duas providências foi eficaz. O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe o mesmo quadro, e, em 1951, a Comissão Federal de Abastecimento e Preços, a Cofap, era o órgão do governo incumbido de "tabelar preços e estabelecer condições de venda" de produtos populares.
O fracasso renovado da polícia de preços, como meio de coibir a alta excessiva desses em gêneros de consumo popular, paradoxalmente, a reforça, e, em 1962, é criada a Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento), para "fixar preços e disciplinar o seu controle". Mas é também editada uma lei de repressão ao abuso de poder econômico (lei nº 4.137/62), que visava, entre outros fins, à repressão ao aumento arbitrário de lucros.
Porém, o regime de polícia de preços sobreviveu em detrimento da nascente defesa da livre concorrência, reforçando uma perversão institucional que o regime militar agravou, ao extremar a intervenção estatal na economia a níveis jamais vistos.
Ao longo dessas oito décadas, o consumidor, sobretudo o de baixa renda, sempre foi a vítima maior desse regime de polícia de preços exercida em lugar da repressão aos abusos do poder econômico que lhe dão causa.
Não é de estranhar, portanto, que, nesse quadro subdesenvolvido de cultura jurídico-econômica, o abuso do poder governamental -os excessos do policiamento- andou sempre junto do abuso do poder econômico -os aumentos arbitrários de preços-, trazendo ambos suas sequelas naturais: monopólios, cartéis, baixos investimentos, defasagem tecnológica de produtos, reservas de mercado etc.
O governo federal vem, contudo, editar a medida provisória nº 1.576/97, com que pretende pôr fim à polícia de preços. Para tanto, extingue a Sunab e entrega à Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, a tarefa de estabelecer um sistema de acompanhamento de informações sobre produção, distribuição e comercialização de bens e serviços.
Espera-se que esse novo modelo alimente os outros órgãos de defesa da concorrência, a SDE e o Cade, com informações e análises técnicas que lhes possibilitem melhor aplicar a lei 8.884/94, de defesa da livre concorrência.
Pela primeira vez na história brasileira, desenha-se a opção do governo federal de abandonar a ineficaz polícia de preços e, em seu lugar, promover, de forma integrada, a efetiva defesa da livre concorrência.
Porém, falta este promover o aparelhamento, com recursos humanos e materiais, desses órgãos: o orçamento do Cade mal alcança R$ 1 milhão e o da extinta Sunab passa dos R$ 10 milhões. Ou seja, recursos para a nova economia ainda não chegaram; para a antiga, ainda sobram.

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