São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Caixa com cinco CDs agrupa obra da banda

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Direction Reaction Creation" é a compilação mais completa da banda inglesa The Jam. Dispõe cronologicamente toda sua discografia oficial em estúdio -discos ao vivo são excluídos-, mais singles, EPs e, no volume 5, demos, covers e takes alternativos.
Não há o que dizer: é ouvir e entender a história em sua totalidade. O que se encontra aqui é um inventário daquela que foi a menos emblemática das bandas punk.
O Jam não foi o retrato do movimento -Sex Pistols e Clash desempenharam essa função-; sua trajetória começou quando o punk nem em prancheta sonhava existir, em 1972. Nesse ano, Paul Weller e Steve Brookes, ambos aos 14, tocaram juntos pela primeira vez.
No ano seguinte, criaram o Jam, ao mesmo tempo em que descobriam, já tardiamente, o universo "mod" que bandas como The Who e Kinks haviam vivido com auge na segunda metade dos 60.
Embrenharam-se, como aqueles haviam feito, pelo rock adolescente tocado com gosto e pelo apreço marcado ao pop negro das gravadoras Motown e Stax.
Brookes deserdou em 75, e a banda acabou por se fixar como trio completado por Bruce Foxton (baixo) e Rick Buckler (bateria).
O saudosismo mod, de terninho, gravata e abotoaduras, veio a ser relativizado por um show dos Sex Pistols, em 1976, que definiu a confluência: o mod continuou sendo a meta, mas com verniz bravo e politizado.
A estréia discográfica se deu com "In the City" (77), de cuja faixa-título os Sex Pistols roubaram o riff mais característico de sua "Holidays in the Sun" (77).
Aí Weller e cia. já se distinguiam da massa punk: o individualismo pós-mod conduzia as letras, que fizeram do Jam único grupo da onda a pregar o "punk para dançar" ("Non-Stop Dancing").
Faixas pop como a versão de "Batman Theme" denunciavam que seu punk era meio de butique, de sessão da tarde, mais apontado ao divertimento descarado que a conceitos revolucionários.
Ainda em 77 saiu o segundo disco, "This Is the Modern World", que conferiu à banda característica de irregularidade que lhe seria constante: inferior ao antecessor, quase chegava a insatisfatório.
Aqui o Jam reforçou os laços com o punk além-mar, dialogando com a new wave de Ramones ("London Traffic") e Blondie ("In the Street Today"), e assumiu o amor pelo soul dos 60 ("In the Midnight Hour", versão do clássico de Wilson Pickett).
"All Mod Cons" (78) reelevou o patamar. Foi quando o Jam desatou laços com o punk ortodoxo.
Para fazê-lo, valeu-se de cover de Kinks ("David Watts", algo que os Stones teriam feito se tivessem humor), surf music ("'A' Bomb in Wardour Street") e, especialmente, muita urbanidade ("Down in the Tube Station at Midnight", "In the Crowd").
Dessa época é "The Butterfly Collector", canção-passaporte do Jam à posteridade e inspiradora da busca estéril pela melodia operada nos 90 pelo Oasis.
Seguiu-se àquele ápice de criatividade o álbum "Setting Sons" (79), manifesto desenxabido contra a guerra forrado por atrozes arranjos sinfônicos ("Smither-Jones") e uma versão jazz-rock para "Heat Wave", clássico Motown de Martha & The Vandellas.
O single "Start!", um quase-plágio a "Taxman" (66), dos Beatles, anunciou a queda de inventividade do quarto álbum, "Sound Affects" (80), maior sucesso comercial da banda.
Nesse ponto, tendo os fãs nas palmas das mãos, Weller pôde começar a inventar.
Mergulhou em seu amor pelo pop negro, desde o single de "Absolute Beginners" e "Tales from the Riverbank" (faixas entre o soul da Filadélfia e discothèque) até o álbum "The Gift" (82).
Foi novo momento de brilho, vivido por uma banda já completamente apartada do punk e fascinada pelos trejeitos soul de Supremes ("Town Called Malice"), Isaac Hayes ("Precious"), Temptations ("Trans-Global Express").
Aí Bruce Foxton mais uma vez escancarou sua verve de compositor, no impagável "pulp fiction" instrumental de "Circus".
Uma série antológica de singles -com covers de Curtis Mayfield, Chi-Lites e Edwin Starr- encerrou a carreira do Jam.
Historicamente, não fazia sentido a uma banda que floresceu nos braços do punk deitar-se nos louros tranquilos do soul negro. Weller percebeu a contradição e partiu para outra. A história havia registrado tudo.
(PAS)

Caixa: Direction Reaction Creation
Banda: The Jam
Lançamento: PolyGram
Quanto: R$ 150
Onde encontrar: London Calling (tel. 011/223-5300)

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