São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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Sertão vira pop no 'Baile Perfumado'

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Modernizar as tradições. Trazer a cultura popular do museu para a rua." Foi com essas idéias na cabeça que o pernambucano Lírio Ferreira, 32, e o paraibano Paulo Caldas, 33, fizeram seu primeiro longa-metragem, "Baile Perfumado".
Grande vencedor do último Festival de Brasília, o filme estréia hoje em São Paulo e no Rio.
Sob a música vibrante de Chico Science e Fred Zero Quatro, "Baile Perfumado" conta a história do mascate libanês Benjamin Abraão (Duda Mamberti), que nos anos 30 filmou o bando de Lampião.
Em São Paulo, os diretores falaram à Folha sobre seu filme.
*
Folha - Por que Benjamin Abraão?
Lírio Ferreira - A história dele é interessantíssima. Um cara que saiu do Líbano fugindo da Primeira Guerra, passou por Marselha, trocou de nome, veio para Recife, começou a mascatear no sertão e conviveu intimamente com os maiores mitos sertanejos do século, Padre Cícero e Lampião...
Acho que qualquer cineasta teria vontade de filmar essa história.
Além disso, o fato de ele ter utilizado o cinema para retratar Lampião serve como metáfora da modernidade que estava chegando ao sertão -com as estradas, o telégrafo- e que determinou o fim do próprio cangaço.
Folha - Há um contraste entre a dramaturgia do filme, que é realista, e a sua linguagem cinematográfica, altamente estilizada.
Paulo Caldas - Há muitas razões para isso. A principal é que a linguagem, dentro do filme, serve quase como um personagem. Isso faz parte da trajetória do cinema que a gente se dedica a fazer desde o curta-metragem.
No caso do "Baile", havia uma vontade muito grande de tentar estabelecer uma gramática diferente em relação à maneira de se contar histórias de cangaço no cinema. Mas contar uma história continuou sendo o objetivo primeiro da gente.
Para nós, as várias opções de tratamento estético do filme não poderiam nunca afetar a inteligibilidade da história.
Ferreira - Lampião é um dos personagens mais biografados e filmados da história brasileira. Glauber já tinha feito duas obras-primas sobre o cangaço, "O Cangaceiro" havia recebido prêmio em Cannes, a gente tinha que criar um diferencial. Essa preocupação está até na cor do filme, no fato de a vegetação ser exuberante.
Folha - Vocês têm falado muito da afinidade entre o cinema de vocês e a proposta do Chico Science e do "mangue beat", de "modernizar a tradição". Como é isso?
Caldas - Boa parte das músicas foi gravada antes da gente filmar, a partir do roteiro. Elas faziam parte do processo artístico do filme. A música trava um diálogo com a imagem e ambas apontam para essa idéia de modernizar a tradição, de fundir a cultura popular com a cultura pop.
Ferreira - Uma característica muito forte do que se convencionou chamar "árido movie", desde os curtas que a gente fazia, é a coisa do elemento estranho no meio da cultura popular.
O próprio fato de chegar uma equipe de filmagem numa cidade pacata como Piranhas (PE), onde a gente filmou, já é um elemento estranho.
No "Baile", o libanês no meio daquele universo sertanejo é o elemento que faz a ponte entre o regional e o universal.
Folha - O filme surpreende pela mistura de gêneros e linguagens. Essa heterogeneidade estava prevista no roteiro original?
Caldas - A linguagem fragmentada se baseia na nossa discussão em torno dessa cultura que mistura tradição e modernidade. Nossa intenção era trazer a cultura popular do museu para a rua, para a vida contemporânea.
Ferreira - A gente escreveu o primeiro roteiro sem ter ido para o sertão, a partir de conversas com o pesquisador Frederico Pernambucano, consultor histórico do filme.
Quando Paulo, Hilton Lacerda (o outro roteirista) e eu chegamos ao sertão para fazer pesquisa de campo, mudou muito nossa concepção.
Até a gente filmar, o roteiro passou por oito tratamentos. Durante a realização, foram incorporadas também as contribuições da direção de arte, do elenco, da montadora etc.
Caldas - Uma das principais intenções da gente era a cada momento dar um susto no espectador, criar um estranhamento.
Folha - Há quem diga que as extravagâncias narrativas foram exageradas. O que vocês acham?
Caldas - Isso tem muito a ver com o nosso divertimento no filmar. Não podíamos ficar no meio do caminho, ousar até a metade. Era um risco, mas quanto mais arriscado é um projeto, mais ele me interessa.
Fizemos um filme que queríamos ver como espectadores.
Ferreira - A gente nunca optava pela medida exata, mas sim por transbordar o copo.
Folha - Há no filme um linguajar muito convincente, em contraste com o sotaque pasteurizado das telenovelas de Nordeste.
Ferreira - Isso aconteceu -sem falar da qualidade dos atores que escolhemos e da pesquisa de linguagem realizada pelo Hilton- porque filmamos em locação, enquanto as novelas são feitas em estúdio. O convívio do elenco com a região contaminou o filme.
Caldas - Por exemplo, paramos num posto de gasolina, e alguém perguntou para o frentista como estava a estrada até Maceió.
O cara respondeu: "Toda original". O Claudio Mamberti (que faz um coronel) não teve dúvida: incorporou esse "caco" num diálogo. Isso aconteceu de monte.

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