São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997 |
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Aroma do cangaço é recuperado
INÁCIO ARAUJO
Há cangaceiros e a volante. Há coronéis e incultura. Mas tudo isso acaba de certa forma ultrapassado pela única figura verdadeiramente aventureira da história: o mascate Benjamin Abrahão. Abrahão é o homem que penetrou no sertão e registrou as únicas imagens conhecidas de Lampião e seu grupo. O que ficou permanece como um documento insubstituível, um tesouro que justifica a existência do cinema: Lampião não se mostra em livros, por escrito; era preciso que sua imagem fosse vista, seus gestos, roupas, relações grupais etc., para que o fenômeno cangaço fosse conhecido. Mas Lampião, como os policiais ou os coronéis, são fatalidades nordestinas. Abrahão não é. Ele busca a aventura, ao mesmo tempo em que corre atrás do fascínio de Lampião. Ele busca o lucro (sonha em ver essas imagens de Lampião exibidas pelo mundo). Ele busca a vida, em última análise. Existe no "Baile Perfumado" uma mistura de euforia -que diz respeito ao triunfo de Abrahão- e depressão -que diz respeito ao destino dessas imagens, quase todas perdidas. Euforia e depressão que de certa forma duplicam a questão lançada pelos diretores: a modernidade que chega ao sertão (levada pelo cinema de Abrahão, pelos novos equipamentos da volante, pelos perfumes franceses de Lampião) é também o que apressa o fim do cangaço real e o transforma em mito, em história. É no vazio dessa perda que Lírio Ferreira e Paulo Caldas fincam sua câmera: refazer o roteiro de Abrahão é um pouco como se refizessem essa filmagem, como se recuperassem um pouco do que o Brasil perdeu. É em busca desse cangaço crepuscular que o filme vai. Daí não ser nada espantoso o delicioso sotaque dos personagens (em particular do tenente da volante, Aramis Trindade). E nem ser espantoso que Abrahão seja interpretado por Duda Mamberti, filho de Sérgio e sobrinho de Claudio (este último, grande ator como sempre, faz o coronel João Libório): este é um filme de filhos, de uma geração que chega agora, que não vai se opor aos pais, mas também não pretende ver o passado apenas como perda. "Baile Perfumado" mistura o cheiro arcaico ao moderno, mistura referências, transita do perigo à sensualidade e à aventura. É um filme de estréia, feito em Pernambuco, com um vigor admirável. Nem todos os seus momentos são perfeitos. É o de menos. Quando vemos um filme como este, pode-se pensar que algo mudou, qualitativamente, no cinema brasileiro. Não é feito para agradar, para fazer bilheteria. É feito para existir, e existe. O que mais esperar? Texto Anterior: Sertão vira pop no 'Baile Perfumado' Próximo Texto: Filme apresenta fala regional misturada a sotaque libanês Índice |
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