São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Forças contrárias à paz formam 'coalizão'

AMOS OZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

As cenas horrendas do massacre no mercado de frutas no setor judaico de Jerusalém são o resultado de uma lógica fria que parece estar operando num plano além da loucura reinante no Oriente Médio: enquanto a paz parece ser letra morta e as negociações entre as partes se mantêm num impasse, os inimigos da paz se contentam em descansar e não fazer nada, mas, assim que desconfiam que estão sentindo um leve perfume de progresso no processo de paz, eles entram em ação imediata, ou conduzindo um massacre maciço de civis israelenses ou enviando máquinas israelenses de terraplenagem para achatar terras palestinas.
Não estou comparando o confisco de terras à matança de civis inocentes: a terra tomada pode ser devolvida um dia, mas as vidas perdidas estão perdidas para sempre. Em termos morais, o assassinato é muito mais grave do que o roubo. Mas os objetivos dos extremistas de ambos os lados se coadunam: tanto as máquinas de terraplenagem quanto as bombas suicidas visam fazer as pessoas do outro lado arderem de fúria ou se deixarem paralisar pelo desespero, de modo que as perspectivas de paz se apaguem outra vez.
Parece haver uma "coalizão" obscura e não declarada de forças contrárias à paz em ambos os lados. Os terroristas palestinos e os israelenses tomadores de terras estão deliberadamente enviando sinais maléficos aos setores mais inflamáveis da opinião pública de ambos os lados: abandonem a esperança, preparem-se para uma luta até a morte.
Porém muitos, de ambos os lados, sabem muito bem o que deveria ser feito para se chegar à paz. Mas não gostam do que sabem e relutam em encará-lo de frente: os israelenses não podem -e não vão- pagar o preço da paz enquanto seu sangue estiver sendo vertido e sua segurança futura estiver ameaçada. Os palestinos não podem reconciliar-se com um Israel que continua lhes tirando suas terras. É preciso haver uma mudança simultânea dos dois lados: que acabe a violência palestina, que acabe a linguagem e atitude árabe de "guerra santa" -e que acabe a expansão israelense nos territórios ocupados. Uma vez isto realizado, israelenses e palestinos poderão começar a trabalhar para chegar a acordo abrangente de paz.
A escolha, para a Palestina, é bastante simples: ou a luta armada contra Israel termina -ou ela não termina. Eles não podem ter guerra e paz conosco ao mesmo tempo.
Os israelenses se confrontam com uma escolha que, essencialmente, não é menos dolorosa nem menos simples do que a dos palestinos: queremos paz com os palestinos ou queremos um pouco de território adicional? Não podemos ter as duas coisas.
O nome do acordo é "terra por paz". Não é terra por bombas suicidas nem paz com expansão dos assentamentos israelenses.

Copyright Amos Oz, 1997

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Israelenses culpam trabalhistas pelo atentado
Próximo Texto: Palestinos pedem troca de gabinete
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.