São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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Das ruas de Diadema para a culta Barcelona

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pelo visto, lá se vai o menino Denílson, numa carruagem alada toda coberta de ouro, em direção ao arco-íris (só quem não conhece Barcelona há de rejeitar essa imagem).
Esse poderia ser o final de uma história feliz, um atualíssimo conto de fadas, que narra a breve e vertiginosa história de um garoto negro de Diadema, que, certa vez, me confessou: todos os seus amigos de rua, antes mesmo dos 20 anos, ou estavam presos ou mortos.
Denílson está vivíssimo, liberto até mesmo dos grilhões da lei do passe e nadando em dinheiro. Isso, mal chegado aos 20 anos, posto que há apenas dois foi pinçado pelo mestre Telê direto dos juvenis para os profissionais.
E um dado curioso -Denílson nem sequer chegou a ser um ídolo, desses amados sem restrição pela torcida, no seu próprio time, o São Paulo. Ao contrário, crítica e torcida tricolor imputavam-lhe o mau vezo de prender demais a bola, de exagerar nos dribles e nas firulas de um futebol que parecia ter saído de uma máquina do tempo, onde o melhor do passado se unia às exigências do presente. Dribla como um Canhoteiro e combate como um Dunga. Meu Deus, que mais se pode exigir?
Contudo, a torcida exigia, sei lá o quê, em vez de se deliciar com aqueles momentos mágicos que o menino endiabrado lhe oferecia. Tanto que, logo quando Muricy assumiu a direção do time, ela passou a perseguir, com vaias cruéis, o garoto. Era um jogo sem grande importância, creio que contra o Araçatuba. Bastava Denílson dominar a bola e o estádio caía em cima dele. (A imagem é exagerada, pois não passavam de 2.000, 3.000).
Mas, para um rapaz de 17 anos, mal dando seus primeiros passos nessa arena da bola, poderia ter sido fatal. Não para Denílson, porém, que, a cada vaia, mais adversários jogava ao chão, na sublime humilhação do drible irresistível. E, com duas ou três jogadas que definiram o placar a favor do seu time, silenciou a galera.
Pensei comigo: esse menino não só sobreviverá como acabará se transformando num dos maiores jogadores de futebol do seu tempo. E não deu outra: chegou na seleção, à sombra de uma galeria de craques intocáveis. Lá estavam Giovanni, Leonardo, Djalminha, Rivaldo etc. Chance, zero. O resto da história todos sabem: num átimo, virou titular absoluto do time de Zagallo. E a única exigência do técnico Van Gaal, ao assumir o milionário e mítico Barcelona.
Denílson é a maior transferência da história do futebol tetracampeão do mundo. Não só pelos valores movimentados, mas, sobretudo, porque o São Paulo recebe ainda de quebra um Giovanni novinho em folha e sedento de recuperação, a um ano da Copa.
É um final de história tão feliz que chegaria a preocupar um velho cético como eu. Giovanni, por exemplo, deu-se mal, ao viver ainda outro dia seu conto de fadas malfadado.
E, por que não, se até Maradona, um dos três maiores de todos os tempos, naufragou nesse mesmo Barcelona?
É que nem Maradona, muito menos Giovanni, levaram para a culta e passional Barcelona o que Denílson carrega dentro de si como o seu maior tesouro: as ruas de Diadema.

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