São Paulo, terça-feira, 5 de agosto de 1997
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Locadora Unidas usa CPF sem autorização

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Basta você ter um dia alugado um carro ali para a empresa se achar no direito de "automaticamente" mandar gravar numa chapa qualquer, de uma máquina qualquer, de um fabricante de cartões qualquer, o seu CPF, que você deixou escrito no cadastro da empresa.
Até que chega sua correspondência e surge lá, manuseado e manipulado, o número do seu documento, a identificação da sua pessoa física, o numerozinho irritante como todos os outros que você vai decorando feito autômato ao longo da vida e que lhe ensinam a guardar como parte do seu corpo, um dedo a mais, uma narina extra, uma impressão digital a mais que você carrega para apresentar nas infinitas blitze que sofre sua vida civil.
O cartão da Unidas, acompanhado de uma gentil cartinha que comunica a felicidade "inteiramente gratuita" de você ter se tornado um "cliente especial", vem todo imperativo, gritando ordens:
"Confira a gravação correta de seu nome no cartão. Após conferir seus dados, assine seu mome com caneta esferográfica no local indicado no verso do cartão. Em caso de perda ou roubo do cartão, comunique imediatamente a loja Unidas mais próxima ou informe a Central de Reservas."
Mas quem disse que você quer falar com a Unidas, telefonar, informar ou comunicar qualquer coisa? Você não pediu, não está interessado, mesmo assim eles invadem sua casa, sua vontade, a privacidade da sua gaveta de documentos.
Liguei para o número indicado, um 0800 qualquer que, obviamente, deu sinal de ocupado várias vezes. Apelei para a lista telefônica e falei com várias funcionárias perdidas até chegar ao gerente de franquias João Paulo (nunca dizem o sobrenome), que atendia no telefone (011) 255-1066.
Ele disse que "o CPF é um número público, está no seu talão de cheques, por exemplo". E ele disse: "Não vejo problema, o cartão é inteiramente gratuito, basta a senhora inutilizá-lo se não quiser usar".
O problema é que, pelo artigo 39 do Código do Consumidor, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços enviar ou entregar ao consumidor sem solicitação prévia qualquer produto ou fornecer qualquer serviço. O problema é que nenhuma punição vai ser aplicada à Unidas por ter infringido essa lei e outra: a de ter usado um número de documento meu (e com meu sobrenome escrito errado), sem autorização.
O problema é que ninguém vai punir essa empresa por ter me transformado em coisa, por não reembolsar o telefonema que eu não pedi para dar, e por me submeter aos ousados critérios de desrespeito e ilegalidade impressos no verso do "seu" (dela) cartão:
"Este cartão é propriedade da Unidas Rent a Car, que poderá requisitar sua devolução ou cancelar os privilégios concedidos, a seu critério."

E-mail: mfelinto@uol.com.br

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