São Paulo, terça-feira, 5 de agosto de 1997
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Estado não tem controle sobre a Detenção

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Estado perdeu o controle sobre a Casa de Detenção de São Paulo, a maior cadeia do país. A disciplina interna está nas mãos de seus cerca de 6.500 presos (a capacidade é para 3.250). Há um ano, a autoridade externa não garante mais a segurança dos visitantes. A entrada da imprensa está proibida.
A Secretaria da Administração Penitenciária alega questões de segurança. Uma sucessão de rebeliões e pequenos motins no último ano -quatro deles em um mês- mostrou que o barril de pólvora pode explodir sem aviso prévio.
O Estado já deu a causa por perdida. Diz que o controle só será retomado mandando os pavilhões pelos ares, o que deve acontecer em dois anos. A ordem é mantida graças a uma rede que envolve drogas, poder interno e corrupção de alguns funcionários.
Se quisessem -concordam aqueles que conhecem a Detenção- os presos poderiam colocar as paredes abaixo e correr para as ruas. O pequeno número de funcionários nada poderia fazer.
Secretaria
O secretaria não nega a existência de drogas, bebidas e corrupção dentro dos presídios. Mas garante que há rigor na punição. Funcionários envolvidos são afastados, presos e investigados em inquéritos policial e administrativo, disse Claudio Tucci, secretário-adjunto.
A Folha ouviu pessoas que têm acesso ao interior da Detenção por meio dos serviços de saúde e da assistência religiosa. Ouviu também funcionários, advogados e pesquisadores que trabalharam com os presos e seus familiares.
O quadro extraído revela parte da teia de poderes e corrupção que mantém o local em relativa calma.
Haveria até mesmo uma tabela de preços: entrar com celular custaria R$ 300; fugas custariam de R$ 30 mil a R$ 500 mil; transferência para outra cadeia, R$ 200; para o presídio da Apac, de São José dos Campos, a transferência pode custar R$ 15 mil. Haveria também "corrupção" na lista de espera para o regime semi-aberto, uma fila de 1.700 presos.
Estima-se que entre 40% e 60% dos presos usem drogas. Para uma população daquele porte, o consumo pode chegar a 300 kg de cocaína por mês. Um ex-diretor da Detenção disse, em CPI da Assembléia Legislativa, em 1993, que a Detenção recebia 500 kg de drogas por mês, entre cocaína e maconha.
Tanta droga não pode passar escondida no bolso ou nas sacolas das visitas, afirmam os que conhecem a cadeia. Entrariam com a conivência de alguém. Por outro lado, o número de funcionários encarregados da revista -18 para 4.000 visitantes na Detenção- não garante nenhum controle.
A chegada do crack, a partir de 1992, estaria levando a uma perda de controle. "O crack desorganizou a estrutura de poder na cadeia", diz o médico Drauzio Varella, que há anos faz um trabalho de prevenção à Aids na Detenção.
A rápida dependência criada pelo crack e as dívidas que acaba gerando vêm transformando "malandros respeitados" em "pilantras sem moral alguma".
A dívida também é uma forma de controle sobre o outro. O devedor "perdoado" passa a dever favores. Pode ser escolhido para matar alguém ou fazer o papel de "laranja", assumindo o crime de outro.
"Não há mais segurança para nós nem para os presos", diz Oswaldo Teixeira de Melo, presidente do sindicato que reúne funcionários do sistema penitenciário.
O tripé segurança-disciplina-humanização foi substituído pelo tripé corruçpão-tráfico-violência, afirmam os sindicalistas.
Os funcionários dizem que são o "bode expiatório" de um sistema que tolera a droga e que perdeu o respeito da população carcerária.
Afirmam que as punições previstas em lei para atos de indisciplina dos presos não são cumpridas. "O preso que toma um funcionário como refém deveria responder processo por sequestro, ameaça de morte e destruição do patrimônio, mas acaba transferido para outro presídio", diz Melo.
Os funcionários reclamam que são poucos e despreparados para um sistema que tem 50% mais presos do que comporta. O salário base inicial é de R$ 178,00.
Causas
A superlotação e a violência dos guardas são duas das causas de rebeliões nos presídios, segundo o padre Reardon, da Pastoral Carcerária. As outras, segundo ele, são as precárias condições de saúde e a morosidade do judiciário.
Na Detenção, esses fatores são potencializados. Certos rituais de violência parecem aceitos.
Pessoas ouvidas pela Folha relataram casos onde policiais militares avisariam detentos sobre a chegada de estupradores. Eles seriam levados para uma cela e os guardas "esqueceriam" de trancá-la. Depois, os estupradores seriam mortos por presos.
A direção do presídio e o primeiro escalão da secretaria saberiam desses casos.

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