São Paulo, sábado, 9 de agosto de 1997
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A violência não está na arma legal

ROBERTO JEFFERSON

"Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem." O direito à autodefesa é princípio consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. No Brasil, reconhecida na Constituição e definida no Código Penal, como acima.
Fui o relator de 42 projetos de lei, que tramitaram ao longo de 11 anos e propunham do radical desarmamento da sociedade civil à louca autorização generalizada de porte de arma.
Desde 1986, estive à frente dessas propostas, e a nova legislação sobre armas de fogo, sancionada em 20/2 (lei 9.437), foi fruto de meu substitutivo, acolhido na íntegra pelo Congresso e aprovado pelo sr. presidente do Brasil.
Ao longo de todos esses anos, pude participar de discussões com representantes de toda a sociedade e com a fecunda orientação do ex-ministro do STJ professor Assis Toledo, coordenador do projeto do novo Código Penal.
As discussões foram ideológicas, doutrinárias e técnicas. A favor do desarmamento, a tese de monopólio do Estado na defesa do cidadão. Em defesa da arma legal, o reconhecimento de que o Estado não tem o divino dote da onipresença, sendo lícito a qualquer cidadão defender sua vida e a de sua família, usar todos os meios necessários para proteger seus filhos.
Fizemos análises estatísticas das armas utilizadas em crimes e apreendidas pelas secretarias de Segurança Pública de Rio e São Paulo. Descobrimos que 98% não possuíam registro legal e mais de 80% eram contrabandeadas.
No Rio, em 1996, foram apreendidas 9.200 armas de fogo, sendo 7.600 semi-automáticas, metralhadoras e fuzis, de uso militar, todas contrabandeadas.
O desarmamento atingiria, principalmente, o cidadão ordeiro, com endereço conhecido no arquivo de armamentos da polícia, mas não tiraria o AR-15 ou a metralhadora Uzi dos marginais.
No grupo de trabalho constituído pelos ministros da Justiça e do Exército, no qual representei o Legislativo federal, chegamos a essa conclusão: o desarmamento deixaria as famílias mais indefesas diante dos bandidos.
Optamos por uma legislação mais moderna. Criminalizamos o porte ilegal, antes contravenção punível com 15 dias a seis meses de detenção; agora, crime com detenção de um a dois anos, se a arma for de uso permitido à sociedade, e reclusão de dois a quatro anos, se de uso privativo das forças militares. Adotamos uma figura nova em nosso direito penal. É crime guardar, mesmo em casa ou no estabelecimento comercial, arma sem o registro na Polícia Civil. Acabou a era da arma "fria".
Todos têm a obrigação legal de registrar a arma de uso permitido até 9/11/97. Findo esse prazo, mesmo deixando a arma no fundo do guarda-roupa, o cidadão passará a responder por crime por haver omitido sua existência.
Passou a ser crime omitir as cautelas para impedir que menor ou incapaz acedam à arma de fogo. Crime, também, fazer disparo em logradouro ou via pública. Proibimos e criminalizamos, em caso de desobediência, a fabricação, importação, comercialização e venda de arma de brinquedo que seja simulacro de arma verdadeira.
Os efeitos da nova legislação ainda não foram percebidos, pois a parte primitiva da lei entrará em vigor em 10/11. Daí presenciarmos alguns abusos, na fase constitucional do "vacatio legis".
Creio que um dia poderemos viver o desarmamento total. Desarmamento de espíritos, com a eliminação das drogas e dos ódios. Até lá, defendo a necessidade de permitir aos cidadãos de bem a posse da arma de fogo legal, para a defesa de seu lar e seu patrimônio.

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