São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Queixa d'El-Rey; O real na cesta; Justiça; Megalô Havelange; O país de Louis de Souza Franco; IPF, o indicador da força política de FFHH; Duda Mendonça; Coincidência

ELIO GASPARI

Queixa d'El-Rey
FFHH está com dificuldade de diálogo com o governador Miguel Arraes. Nada muito grave:
-Eu não entendo o que ele fala, e ele não ouve o que eu digo.
Quando Arraes fala pausadamente, e FFHH, um pouco mais alto, o problema acaba.

O real na cesta
Para a história da política de câmbio do primeiro reinado de FFHH.
No início deste ano, a ekipekonômica esteve a um passo de saltar do sistema de bandas dentro das quais o Banco Central faz flutuar o câmbio. Planejou-se atrelar o real a uma cesta de moedas, permitindo que seu valor tivesse mais a ver com as forças do mercado. Um dos defensores dessa mudança foi o economista José Roberto Mendonça de Barros.
FFHH chegou a dar luz verde para a mudança, mas o assunto foi cozinhado. Quando surgiram os primeiros sinais de inquietação cambial na Ásia, o projeto foi mandado ao arquivo, pois poderia ser considerado um sinal de fraqueza.
Repetiu-se o enredo dos últimos meses de 1994, quando estava tudo pronto para uma desvalorização do real e explodiu a crise mexicana. Hoje FFHH bota uma parte da culpa por essa vacilação na conta do então ministro Ciro Gomes. É uma injustiça, porque nem Ciro entendia do assunto, nem fez no ministério coisas com as quais FH não concordava.
Repetiu-se também uma parte da novela da pequena desvalorização de 1995, quando FFHH acreditou que a virtude estava numa posição intermediária entre uma pancada mais forte e pancada alguma.

Justiça
O senador José Fogaça votou a favor da nomeação de Gustavo Franco para o Banco Central. Isso é tão certo quanto hoje é domingo.

Megalô Havelange
No bate-boca entre Jean Marie Faustin Godefroid Havelange, um carioca filho de belgas, e Edson Arantes do Nascimento, um mineiro neto de escravos, a elegância e a compostura ficaram com Pelé.
Truculento, imperial e ressentido, Havelange já se referiu a Pelé como "esse moço", a quem teria dado "gentilezas e atenções". Em suma, se não houvesse um Havelange, Pelé nunca teria saído do seu lugar. Portanto, antes de contrariar um sujeito com cinco nomes, um bissílabo deveria saber com quem fala.
Recordar é viver. Em março passado, o "Super Havelange" informou que o Rio estaria entre os finalistas da Olimpíada de 2004. Ele teria o Comitê Olímpico na mão. O delegado espanhol já negociara seu voto, o chinês ("um velho amigo, vota comigo") e o alemão ("fui amigo de seu pai e de seu avô") também. Outro lhe devia uma escolha de juiz para a Corte Internacional de Haia.
O Rio foi eliminado. Se Pelé tivesse cantado semelhante farol, seria dado por doido.

O país de Louis de Souza Franco
Três nomes se encontraram em Brasília na terça-feira. Um, Gustavo Franco, é o novo presidente do Banco Central. Ele assinará as futuras notas de real, e, se depender de sua vontade, elas só serão impressas para substituir as que desmancham nas mãos dos contribuintes.
Outro, Danilo de Souza, um garoto de 7 anos, mora perto do economista (um na Academia de Tênis, outro num casebre). Eventualmente, como Franco, vai ao Congresso buscar a boa vontade dos parlamentares (um, para ser empossado, o outro, para descolar uma esmola). Franco vai cuidar de US$ 60 bilhões de reservas e, graças ao suor do rosto de seu pai, é homem de razoável fortuna pessoal. Danilo nunca viu uma nota de dinheiro que valha mais de R$ 20.
O terceiro, Louis Vuitton, nasceu no interior da França em 1821. Tornou-se carpinteiro e resolveu tentar a sorte em Paris. Foi a pé, sem tostão. Começou montando baús e fez fama como um mago na arte de fazer as malas das madames. Tornou-se o empacotador da imperatriz Eugênia, mulher de Napoleão 3º. Em 1885, quando o trem Oriente Expresso inaugurou sua linha, Vuitton juntou a habilidade de carpinteiro à ciência da ordem das roupas dobradas e começou a fabricar malas. Teve como clientes Coco Chanel, o jesuíta Teilhard de Chardin (que ia para a China) e o piloto Charles Lindbergh (na viagem de volta, porque atravessou o Atlântico com a roupa do corpo). Com o declínio das viagens marítimas, as malas Vuitton, nas mãos de seu filho, tornaram-se muito pesadas. Há uns 20 anos, mudadas, viraram a paixão dos milionários emergentes e dos camelôs africanos que as falsificam. A maior coleção de Vuittons brasileira talvez seja a de Rosane Collor de Mello. Uma fechadura nova para uma mala velha já chegou a custar US$ 320.
A sacola Vuitton que Gustavo Franco carregava a tiracolo no aeroporto, bem antes de encontrar Danilo na entrada do Congresso, não sai por menos de R$ 900 no Brasil. (Admitindo-se que não seja senegalesa). Em Paris fica mais em conta, mas pode acabar chamando mau-olhado na alfândega, porque um computador que custa US$ 900 resulta numa tunga de mais US$ 500.
Quando um senador perguntou a Franco o que tinha achado do encontro com Danilo, informou que "menores de rua não são problema do Banco Central".
Tem toda razão, o BC já teve muito trabalho cuidando dos problemas dos adultos de banco, aos quais deu o Proer.
Danilo não foi posto a esmolar por Gustavo Franco. É possível que ele esteja empenhado em mudar a economia brasileira de forma a acabar com os adultos de banco e os meninos de rua. Ele suspeita, por exemplo, que, se forem suspensos todos os benefícios trabalhistas dados aos brasileiros, cai o desemprego e melhora o nível de vida em Pindorama.
É nessa hora que reaparece a sacola do Vuitton. Seria mais fácil encontrar Paul Volcker (o maior presidente do BC americano dos últimos 40 anos) defendendo uma hiperinflação do que com qualquer adereço pessoal de mais de US$ 500 (vale incluir o terno). Theo Waigel, o Gustavo Franco alemão, escolheria o suicídio. John Reed, presidente do Citibank, preferiria jogar golfe no escuro.
O problema da profecia liberal brasileira talvez esteja por aí. Eles acham que as sacolas Vuitton são uma solução (para eles), e os meninos de rua, um problema dos outros.

IPF, o indicador da força política de FFHH
O ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, informa que, ao contrário do que aqui se noticiou, não guarda em papel o registro das conversações de que participou para ajudar a aprovação da emenda da reeleição. Ele registra, num computador, o comportamento dos deputados em todas as grandes votações da Câmara.
Dessas planilhas resultaram dois volumes. Um, com 196 páginas e tabelas coloridas, mostra o comportamento de cada Estado, bancada e deputado nas 14 votações relacionadas com a reforma administrativa. Os ministros Luiz Carlos Santos (Balcão) e Sérgio Motta (Comunicações) já receberam edições anteriores desse cartapácio.
O segundo é uma verdadeira preciosidade. Sua última edição, com duas cópias, saiu da impressora na quarta-feira e lista o voto de cada deputado em 33 votações relevantes, desde o início de 1995. A cada um, corresponde um percentual de votos a favor do governo que poderia ser denominado Índice Padilha de Fidelidade, ou IPF.
Ele ensina coisas interessantes, como as seguintes:
1) quem pagou pelo voto do deputado Ronivon Santiago pode ter jogado dinheiro fora. Seu IPF estava em 71%. Só quatro parlamentares com IPF acima de 70% votaram contra a reeleição. Dos 109 do PFL, só 1. Mesmo levando em conta que a primeira manobra da oposição foi se ausentar do plenário, no pefelê houve um único caso de absenteísmo com IPF elevado. É verdade que seu colega João Maia (IPF = 75%) votou a favor e embolsou R$ 200 mil. A planilha ensina que eles tendiam a votar a favor, de graça ou por menos;
2) a tropa de choque do governo é formada por 24 deputados. São os que votaram todas as 33 vezes como o governo precisou. Deles, 11 são do PFL e, destes, 6 são baianos. Os incondicionais do PSDB são oito;
3) são três os deputados de frequência relevante com o mais baixo IPF (6,3%): Telma de Souza (PT-SP), Noel de Oliveira (PMDB-RJ) e Ayrton Dipp (PDT-RJ). O PT, de uma maneira geral, vota com o governo em 12,5% dos casos;
4) pode-se dizer que o governo começou todas as 33 votações partindo de um patamar de 12,5% dos votos da Câmara. Isso porque, dos 100 parlamentares dos partidos de oposição, 78 estão com um IPF igual ou maior que 12,5%. Na bancada de 51 deputados petistas, 36 estão com pelo menos 12,5% de IPF;
5) as bancadas que operam com maior porcentagem de apoio a FFHH estão em Estados que talvez ele só tenha conhecido na campanha eleitoral: Roraima, Rondônia, Tocantins, Piauí, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul, todas com mais de 80% de IPF. Com índice abaixo de 50%, só a pequena bancada de Brasília.

Duda Mendonça
(53 anos feitos hoje, publicitário.)
*
- O sr. aceitou a obra de reconstrução da imagem do governador Marcello Alencar. Ficou louco?
- De doido não tenho nada. Gosto de briga e não entro em parada perdida. Eu pedi ao Marcello Alencar que me mostrasse o que estava fazendo. Andei por terra, mar e ar e posso lhe dizer: doido é quem acha que seu governo é ruim. Dos que eu conheço, é o que mais realiza. Ele fez uma rede de esgotos que dá para ir do Rio a Brasília e vai atender 5 milhões de pessoas. A gente sabe que esgoto é obra invisível, mas, mesmo quando as obras são visíveis, nem ele mostra, nem a imprensa nota. Já ouviu falar numa estrada chamada Via Light? São 11 km, com quatro pistas cortando a Baixada Fluminense, desembocando numa ponta do metrô. Está pontilhada de parques e campos de futebol. Se o prefeito Giuliani, de Nova York, estivesse fazendo uma Via Light no Bronx, todo mundo saberia. Está acontecendo com essa obra o mesmo que sucedeu à avenida Jacu-Pêssego, que o Paulo Maluf abriu na periferia de São Paulo. Ninguém disse uma palavra. Chegou a eleição, e ela estava lá, pronta, surpreendente. Como é que se pode dar por morto um governo que vai dobrar o número de passageiros transportados pelo metrô? O problema desses veredictos é que o povo não os confirma.
- O sr. fez a campanha de Celso Pitta para prefeito de São Paulo. Não vendeu gato por lebre?
- É cedo para fazer uma acusação dessas. Celso Pitta é um técnico competente. Ele está sofrendo uma campanha política histérica. Eu entendo que a imprensa goste de controvérsias. Se o Maluf viaja, e o Sérgio Motta fica calado, ela acaba falando de câmbio, e isso é um assunto chato. A merenda escolar de São Paulo continua sendo a melhor do país. O PAS, programa de assistência médica da prefeitura, tem uma aceitação de 90%. O Fura-Fila, que você chamou de maluquice, estará rodando em algumas avenidas de São Paulo no ano que vem. Uma outra coisa que não deve ser esquecida: as acusações a Pitta visam atingir Paulo Maluf, e ele continua liderando as pesquisas para governador de São Paulo.
- Outro dia, o sr. almoçou durante quatro horas com FFHH. Ele vai bem?
- Vamos deixar o almoço para lá. A eleição do ano que vem será um plebiscito. Meu receio é que os admiradores dele não recebam munição para discutir com aqueles que são contra e estão sendo bem municiados. Ele não deve ficar encurralado em cima do Real. Eleição não se ganha no palácio, mas no boteco, no futebol e nos locais de trabalho.

Coincidência
Os fatos de o escritor Aldous Huxley ter morrido no dia em que mataram o presidente John Kennedy e de o compositor Sergei Prokofiev ter passado para uma melhor no mesmo dia que Stálin são coisas que não querem dizer nada. Simples coincidências.
Talvez também não queira dizer nada que o economista Celso Furtado tenha entrado para a Academia Brasileira de Letras no mesmo dia em que seu colega Gustavo Franco passou pela Comissão de Economia do Senado a caminho da presidência do Banco Central.
Franco fez literatura, mas nunca se arriscou a publicá-la. Furtado, depois de viver como sábio-economista, junta-se agora aos literatos. Como dizia Machado de Assis: "Esta, a glória que fica, eleva, honra e consola".

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