São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Investimento estrangeiro, crescimento e déficit comercial

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O Plano Real vem sendo acompanhado de uma forte elevação do investimento direto estrangeiro. Entre 1994 e 1996 os fluxos saltaram de US$ 1,738 bilhão para US$ 9,123 bilhões. No ano em curso, está prevista uma entrada no país de US$ 15 bilhões de investimentos destinados a ampliar a capacidade produtiva nacional de bens e serviços.
O Núcleo de Estudos da Indústria e da Tecnologia, do Instituto de Economia da Unicamp, vem desenvolvendo uma pesquisa que busca identificar os fatores determinantes desta nova "onda" de internacionalização da economia brasileira e seus impactos prováveis sobre a balança comercial. Os resultados estão condensados num artigo assinado pelo professor Mariano Laplane e pelo pesquisador do Núcleo, Fernando Sarti, que será publicado na próxima edição da revista "Economia e Sociedade".
As conclusões do trabalho colocam em dúvida as avaliações do governo quanto à possibilidade de que venha a ocorrer, dentro de alguns anos, uma reviravolta na balança comercial, causada pelos ganhos de produtividade e de competitividade induzidos pelo ingresso de capital forâneo.
Em primeiro lugar, são claras as indicações de que os novos fluxos de investimento estrangeiro apresentam uma composição diferente daquela que prevaleceu até o início dos anos 80. Na "onda" dos 90 há uma clara preferência pelo setor serviços e essa tendência, aparentemente, não deve ser atribuída apenas ao surto de privatizações. Em 1989 o estoque acumulado de capital estrangeiro estava distribuído da seguinte maneira: 71,1% na indústria de transformação e 23% no setor de serviços (incluído o investimento de porta-fólio). Em 1995 essa composição se altera significativamente, passando o setor de serviços a representar 42,5% do total dos investimentos, contra 53,2% na indústria de transformação.
Em segundo lugar, "os atuais investimentos industriais das empresas estrangeiras têm sido induzidos pela expansão do mercado doméstico e estão concentrados nos setores de bens de consumo duráveis". Esses projetos, em geral, apresentam baixa capacidade de estimular a produção interna de equipamentos e de gerar novos empregos.
Essa é, aliás, uma característica universal do investimento neste final de século, em que o novo paradigma tecnológico e organizacional preconiza flexibilidade e "enxugamento" de custos. No caso brasileiro, essas são exacerbadas pela substituição rápida dos fornecedores domésticos por supridores estrangeiros de equipamentos, partes e peças, componentes e matérias-primas.
Entre 1995 e 1996, as importações dos setores em que vem se concentrando o investimento direto estrangeiro apresentaram taxas de crescimento muito superiores às das importações totais. Enquanto essas avançaram 6,9%, partes e peças para veículos expandiram-se à taxa de 22,6%; componentes eletrônicos, 24,3%; computadores, partes e peças, 12,2%; motores de pistão, 22,3%; e circuitos integrados, 10,1%.
O estudo, como já foi dito, considera improvável que os investimentos estrangeiros em curso ou programados na indústria de transformação sejam capazes de provocar, dentro de alguns anos, uma reviravolta na balança comercial.
O máximo que podemos esperar, afirma o estudo, é uma substituição de importações de alguns componentes nos casos em que fossem atingidas escalas mínimas de produção, fossem elevados os custos de transporte ou a proximidade entre fornecedores e montadoras justificasse a produção doméstica.
Há que considerar, no entanto, que, sobretudo nos setores em que vem se concentrando o investimento direto estrangeiro, o processo de internacionalização tende a acarretar "efeitos de encadeamento tecnológico fracos, em função dos imperativos de eficiência. A ênfase na eficiência, por meio da padronização de produtos, processos e formas de organização e gestão, leva à especialização e à racionalização no desenvolvimento das inovações. As filiais concentram-se nas atividades de adaptação, enquanto as matrizes concentram os esforços de inovação".
Observando o fenômeno do ângulo do dinamismo tecnológico e da perspectiva estratégica da grande empresa internacional, é muito provável que a crescente dependência do investimento estrangeiro, associado à atual política de valorização do câmbio real, venha a agravar e não minorar a situação deficitária da balança comercial. Isso para não falar dos efeitos negativos do crescimento das remessas de lucros e por conta da assistência técnica que deverão onerar a balança de serviços.

Texto Anterior: Taxar pró-labore é ilegal, diz juiz
Próximo Texto: Economistas prevêem menor crescimento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.