São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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O Banco Central está acordando

PAULO YOKOTA; EDUARDO FREITAS

PAULO YOKOTA
EDUARDO FREITAS
O mercado está registrando, recentemente, uma sensível desvalorização nominal do marco alemão e do iene japonês, superior à do real, administrado pelo Banco Central.
As principais moedas européias, diante da perspectiva da criação da moeda única, o euro, tendem a acompanhar o marco. E as asiáticas, principalmente após a crise tailandesa, estão acompanhando o iene. Comportam-se como blocos.
Olhando do lado inverso, o dólar norte-americano, com a boa performance econômica dos Estados Unidos, está se valorizando acentuadamente. Isto vem aumentando a competitividade das exportações asiáticas e européias no mercado norte-americano.
Um dos fatores que desencadeou a crise na Tailândia foi a excessiva vinculação do baht ao dólar, não considerando a influência da desvalorização do iene, o que acabou provocando uma valorização daquela moeda com relação aos seus parceiros e concorrentes comerciais, notadamente o Japão, a Coréia e a China.
De forma muito similar o Banco Central vem administrando o câmbio brasileiro valorizado, acompanhando o dólar de perto, apesar de as exportações brasileiras de 1996 registrarem um destino de 27% para a União Européia e 16% para a Ásia.
O tecnicamente mais recomendável seria a utilização da referência de uma cesta de moedas para a orientação da política cambial. Essa cesta deveria ser composta considerando a proporção dos preços tanto internamente como em cada um dos países parceiros.
Há uma discussão sobre os deflatores a serem utilizados. As autoridades brasileiras preferem o IPA, por dar maior importância à competitividade externa dos produtos manufaturados brasileiros, interpretando que esse índice mede melhor o aumento dos custos dos produtos brasileiros.
Outros optam pelo IPC, mais amplo e que considera também os serviços, captando os efeitos dos setores que foram mais rentáveis, recentemente, refletindo com maior aproximação todos os custos de produção do país.
O gráfico "Taxas de Câmbio - Brasil" compara o câmbio do real com relação ao dólar deflacionado pelo IPA, mostrando que, após uma violenta valorização que ancorou a estabilização monetária, estaria registrando ligeira desvalorização dos últimos 18 meses, como argumentaram as autoridades brasileiras. Se deflacionado pelo IPC haveria uma contínua valorização.
Utilizando a taxa de câmbio real efetiva, que considera uma cesta de moedas, ponderada pela participação de cada país parceiro na pauta de exportação brasileira de 1990, calculada regularmente pelo JP Morgan, verifica-se que o real apresenta recentemente uma nova valorização. É a influência das desvalorizações do marco e do iene.
Se a cesta fosse deflacionada pelo IPC, haveria uma contínua valorização, deixando uma indicação mais dramática.
Além dos produtos brasileiros estarem perdendo competitividade nos mercados europeus e asiáticos, é preciso notar que também nas regiões baseadas no dólar os produtos de origem da União Européia e na Ásia chegarão mais competitivos que os provenientes do Brasil.
No próprio mercado interno brasileiro, alguns produtores europeus e asiáticos chegarão mais baratos que os atualmente produzidos localmente.
Num primeiro momento os ajustes tendem a ocorrer com modificações nas margens de lucro, estimulando ou desestimulando novos investimentos. Mas como essas tendências cambiais atuais podem ser alteradas por modificações nas taxas de juros nas diversas partes do mundo, não há indicações de fortes mudanças no futuro próximo. Isso diante do significativo desemprego europeu, às vésperas da introdução da moeda única, o euro, e da lenta recuperação da economia japonesa, que mantém os juros baixos na Europa e no Japão.
No caso brasileiro os limites para alteração do juro são restritos, pois estão condicionados pelo "cupom", ou seja, a remuneração dos papéis brasileiros cotados no exterior. Na realidade o alinhamento às indicações da cesta de moedas implicaria a redução do juro interno, mas os fluxos necessários para o financiamento do déficit em contas correntes são cruciais, e estão condicionados pelas diferenças entre juro externo e interno.
Portanto, a atual desvalorização do real em torno de 0,6% ao mês expõe a economia brasileira a riscos idênticos aos da Tailândia. Felizmente Gustavo Franco, na sabatina junto à Comissão de Economia do Senado, deu o primeiro sinal de que está atento, mas os limites para a sua movimentação são estreitos.

Paulo Yokota, 59, economista e consultor econômico, foi diretor do Banco Central (1971-74).
Eduardo Freitas, 28, mestre em economia pela USP (Universidade de São Paulo), é professor do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais).

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