São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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EUA revolucionam preços na comunicação global

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A Federal Communications Commission (FCC), órgão regulamentador das comunicações nos EUA, lançou na semana passada o mais importante desafio econômico global desse setor estratégico na economia do século 21.
A FCC anunciou um plano para reduzir as tarifas nas chamadas telefônicas internacionais.
A nova regulamentação limita o pagamento que poderá ser feito pelas operadoras norte-americanas às estrangeiras por chamadas feitas a partir dos EUA.
O presidente da Comissão, Reed Hundt, que está para sair do cargo, disse que a partir das novas regras as chamadas internacionais feitas a partir dos Estados Unidos terão uma redução dos atuais US$ 0,88 para US$ 0,20 por minuto.
A FCC definiu ainda que a tarifa máxima imposta às operadoras estrangeiras dependerá do grau de desenvolvimento de cada país.
Depois de uma fase de adaptação, as companhias dos EUA pagarão no máximo US$ 0,15 por minuto para a União Européia, Japão e outros países desenvolvidos.
Para os menos desenvolvidos o limite será de US$ 0,19. Para nações da África e outras em desenvolvimento, o teto será US$ 0,23.
O anúncio das novas regras ocorre num momento de fantástico predomínio tecnológico dos EUA nas tecnologias da informação, cujo símbolo é a expansão da Internet. Há também uma confiança extrema na força da economia norte-americana. O presidente Clinton anuncia a queda do déficit público logo depois de fazer um acordo com a oposição para reduzi-lo progressivamente nos próximos anos.
Nesse contexto, o anúncio da política de tarifas foi recebido pelos europeus como mais uma manifestação de unilateralidade e presunção. Os japoneses resistem à abertura de seu mercado de telecomunicações. Operadoras ameaçam recorrer contra a decisão da FCC na Organização Mundial do Comércio.
Mas como a quase totalidade do tráfego telefônico mundial (cerca de 70%) ocorre entre países desenvolvidos, europeus e japoneses não têm alternativa. Ou reduzem seus custos, ou estão fora do jogo.
Como as ligações dos EUA para o resto do mundo dominam o mercado, forçar a redução de tarifas significa impor ao resto do mundo um ajuste que diminua os custos das empresas norte-americanas.
Na prática, entretanto, o desafio de reduzir custos é maior nos países menos desenvolvidos, onde os processos de privatização ainda estão em curso. A FCC reconhece isso e dá mais tempo e margem de manobra para a adaptação. Mesmo assim, o poder de pressão dos norte-americanos sobre a liberalização dos mercados nos vários países aumentará muito. O mundo em desenvolvimento tem cinco anos para completar o ajuste.
Quando alguém faz uma ligação telefônica internacional, o país receptor cobra uma tarifa para completar a chamada. O alvo da FCC são os governos que se recusam a reduzir essa tarifa (conhecida como "settlement rate"). Com as novas regras, o governo norte-americano obriga todas as operadoras dos EUA a pagarem uma dada tarifa, deixando sem alternativa um país que queira cobrar mais.
Para os reguladores norte-americanos, o dinheiro assim arrecadado por outros países serve para subsidiar suas empresas. Subsidiadas, estariam em posição de vantagem quando o próprio mercado norte-americano fosse liberado. Antes disso, portanto, os EUA tratam de zerar o jogo estabelecendo um teto universal para a tarifação.
Para qualquer empresa, reduzir custos é sinônimo de investir em novas tecnologias, ganhar produtividade, eficiência e agilidade financeira. O mesmo vale para o setor de telecomunicações.
Resta saber se o enquadramento será possível nos países onde o sistema é em larga medida estatal ou ainda precisa de mais de cinco anos para se modernizar. Em princípio, a pressão dos EUA levaria esses países a uma liberalização mais acelerada. Nesse caso, a vantagem passa a ser das empresas norte-americanas, interessadas em comprar e operar o máximo de serviços de telecomunicações em escala global.
Apesar da iniciativa unilateral, nos próximos meses o processo de negociação vai se intensificar e é bem provável que a questão seja levada a instâncias de arbitragem internacional, como a OMC ou a International Telecommunications Union (ligada à ONU).
Difícil mesmo será encontrar um árbitro capaz de falar mais alto que a lógica nua e crua do predomínio tecnológico e financeiro norte-americano nas telecomunicações.

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