São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Grito histérico de Havelange vira deboche geral

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O ancião, já sendo despojado de todos os poderes, súbito, ergue seu cajado e ameaça uma nação inteira, a sua própria nação. Há uma certa beleza nesse gesto patético, que poderia conferir a João Havelange a aura de um profeta bíblico ou de um De Gaulle que trocou os campos de batalha pelos de futebol. Ou melhor: pelos bastidores, os desvãos, do futebol.
Isso não fosse a pequenez do motivo que gerou o gesto: a soma da vaidade ferida com a tentativa desesperada de salvar o genro, ameaçado pela roda do tempo. Assim, o que resta para a história é apenas um grito histérico que se perde em meio ao deboche geral.
É bem verdade que, nesta quadra da vida, se algo aprendi é que nem sempre os motivos têm a dimensão dos grandes gestos. Até mesmo os monumentos, se vistos na intimidade, cairiam do cavalo, perderiam o porte majestoso e se reduziriam ao tamanho do homem, bicho capaz de assumir, em certas ocasiões, as mais diminutas e rastejantes formas.
Havelange, obviamente, não chegou a tanto. Apenas, ao tentar manter o "aplomb", na desesperada busca de preservar os anéis, perdeu o senso: não há uma única vírgula, nos estatutos da Fifa, que condene o que se conhece do projeto Pelé, conforme bem demonstrou a Folha na sua edição de anteontem.
Talvez jamais venhamos a saber. O que se sabe é que o nosso futebol carece de um novo modelo, mais compatível com a realidade. E isso venho pregando há mais de 20 anos.
Falo de um tempo em que a então CBD, sob o comando do mesmo João Havelange, proibia explicitamente até mesmo a inserção de marcas de patrocinadores nas camisas dos clubes, embora na Europa -Bélgica, França, Inglaterra, Itália e Espanha, especialmente- se difundisse abertamente o sistema de patrocínio anunciado nos uniformes dos clubes e até de seleções.
Justificativa: preservação das tradições e de um certo espírito amadorístico que ainda deveria, na sua visão, manter a pureza do esporte.
A minha insistência valeu-me o mau humor de Havelange, que, nas entrevistas coletivas, ao responder minhas indagações, jamais me dirigiu o olhar. Preferia desviá-lo para os eternos áulicos.
Bastou, porém, assumir a presidência da Fifa para detonar o processo de comercialização desabrido, que hoje atinge ali o seu paroxismo.
Como se dizia no seu tempo, faça o que digo, mas não faça o que faço.
*
Tô com o Zagallo e não abro: jogador moderno, com direito a uma vaga na seleção brasileira, tem de ser versátil, veloz, capaz de aliar solidariedade à habilidade. Isso vale para todo mundo. Para todo mundo, ouviu bem?
Sim, mas, pra quem viu o golaço de quinta-feira contra o Atlético de Madrid, sabe que vale pra todos, com uma única exceção: Romário.

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