São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Max Weber e Zé Carioca

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 1960, para rebater a propaganda da Revolução Cubana na América Latina, o governo Kennedy lançou a Aliança para o Progresso, programa destinado a implementar reformas sociais no subcontinente.
Na sequência desse programa, as universidades e os centros de pesquisas dos Estados Unidos ampliaram as áreas de estudos latino-americanos.
Agora, no contexto das manobras diplomáticas para estender o Nafta (mercado comum entre EUA, Canadá e México) e estabelecer a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) reaparecem os estudos comparativos sobre a evolução das nações ibero-americanas e anglo-americanas.
No meio tempo, as reformas da Aliança para o Progresso deram com os burros n'água, e Washington preferiu dar seu aval às ditaduras militares que tiranizaram a América Latina. Tudo isso em nome do mesmo argumento que avaliza o apoio dado hoje em dia pelo governo norte-americano à mais completa ditadura comunista do mundo, a China: em nome das boas relações econômicas.
Kenneth Harrison (no livro "The Pan-American Dream") não se embaraça com essas nuanças todas. Seu problema é o pan-americanismo, e sua pergunta é tão singela quanto sincera: "Por que demorou tanto para a América Latina concluir que o capitalismo democrático e as relações íntimas e abertas com os Estados Unidos são do seu próprio e melhor interesse?".
A sua resposta sai inteirinha do esquema mais chapado da teoria de Max Weber sobre o capitalismo e de Walt Disney sobre o Zé Carioca: porque a América do Norte, a de cima, é protestante e anglo-saxônica, enquanto a de baixo é católica e latina. Citações, às vezes anônimas, substituem a análise histórica e sociológica consequente. Assim, um incógnito advogado argentino dá a explicação definitiva do motivo do fracasso dos tribunais de júri em seu país: "Somos um país católico, e todo o mundo sabe que seria fácil uma testemunha mentir, confessar com um padre alguns dias, e ser perdoado".
Quanto ao Brasil, o autor faz uma comparação furada com uma idéia de Ortega y Gasset sobre a Espanha para explicar o que lhe parece óbvio desde sempre: a sociedade brasileira é "invertebrada". Incapacitada a tomar em suas mãos seu próprio destino.
Talvez seja essa a razão que o levou a dedicar uma linha e meia ao impeachment de Collor. Não caberia no livro a descrição do processo quase paradigmático em matéria de democracia que mandou o Indiana Jones tupiniquim (dixit George Bush) para Miami. Uma campanha de investigação e denúncias na imprensa independente, seguida de manifestações de massa, de uma CPI, e concluída por um julgamento do impeachment de um presidente da República é coisa do outro mundo. Não existe no sul do Texas. Só pode acontecer na parte de cima do continente.

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