São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Provocação e desperdício

KENNETH MAXWELL
ESPECIAL PARA A "FOREIGN AFFAIRS"

É curioso como as interpretações culturalistas sobre as diferenças do desenvolvimento humano estão novamente em voga nos Estados Unidos neste final do século 20, assim como estavam quando o século começou. É claro que o racismo aberto dos anos anteriores está ausente da maioria das discussões atuais, mas a direção interpretativa global é a mesma de antes.
O argumento é que a cultura anglo-protestante incentivou a poupança, a educação, o mérito, a comunidade e o trabalho, enquanto os valores e a cultura ibero-católicos encorajaram o contrário -ócio, corrupção, atraso, todas as coisas nocivas que fizeram a América Latina estagnar, enquanto a anglo América cresceu.
Em outras palavras, quanto mais "eles" se tornarem semelhantes a "nós", melhor vai funcionar o pan-americanismo e a integração regional -a não ser, é claro, que "nós" nos tornemos mais parecidos com "eles", e vem daí a preocupação de Kenneth Harrison (em "O Sonho Pan-americano - Os Valores Culturais Latino-americanos Desencorajam uma Verdadeira Parceria com os Estados Unidos e o Canadá?") com relação à imigração originária da América Latina.
Ele argumenta que o "caldeirão de raças e culturas ('melting pot') não está funcionando bem no caso dos imigrantes hispânicos, e que os EUA se vêem confrontados com um grave problema político, econômico e social em função do crescimento acelerado de sua população hispânica".
A essência da mensagem de Harrison é defendida calorosamente -e pouco surpreendentemente- por Samuel Huntington, que considera o livro "profundamente pesquisado e convincente".
Convincente pode ser, para aqueles que já estão convencidos, mas profundamente pesquisado ele não é.
Nos últimos 20 anos, Howard Wiarda defendeu uma linha de argumento mais ou menos semelhante em vários estudos bem documentados sobre Espanha, Portugal e América Latina, por exemplo, mas ele não é reconhecido por ninguém. E o mesmo argumento, em linhas gerais, foi proposto, com mais elegância, por Claudio Veliz.
A prosa de Harrison é combativa e repleta de afirmações "ad hominem" contra aqueles que o contrariaram, especialmente intelectuais: "Elitistas utópicos, ricos, inteligentes, carregados de sentimento de culpa, que nunca chegaram a amadurecer totalmente" e cujos "excessos reverberam... na epidemia de drogas".
Tudo isso com certeza faz de sua obra um dos livros mais interessantes e provocativos sobre a região a sair nos últimos anos. Mas a ira de Harrison nos leva a pensar que dirigir cinco missões da Agência Norte-americana de Desenvolvimento Internacional (Usaid) na América Latina, entre 1965 e 1981, deve ter sido tarefa penosamente frustrante e a indagar por que ele não informou antes ao Congresso que este estava desperdiçando o dinheiro gasto pelos contribuintes para pagar seu próprio salário.

Tradução de Clara Allain

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