São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Como entrevistei Gandhi

DOON CAMPBELL
DA "REUTER", EM NOVA DÉLI

Há 50 anos eu entrevistei Mahatma Gandhi no bairro pobre que ele dividia com os miseráveis hindus. Foi a entrevista mais extraordinária da minha vida jornalística.
No dia seguinte ao envio das perguntas, em um papel da "Reuter", recebi um telefonema dizendo que o Mahatma teria prazer em me receber. Era uma manhã agradável de maio, não muito quente, e Gandhi saiu do quarto vazio em que ele trabalhava e dormia para me encontrar em um pátio.
Como chamá-lo? Bapu (pai)? Mahatma (grande alma)? Gandhiji (termo que denota respeito e afeição)? Preferi sr. Gandhi. Ele se sentou no chão e leu a minha primeira pergunta. Em seguida anunciou: "Minha resposta: seria bom se os britânicos se fossem hoje; 13 meses significam um estrago para a Índia. Não questiono a nobreza da declaração britânica; não questiono a sinceridade do vice-rei, mas o fato é que a Índia foi acostumada a procurar o poder britânico para tudo. Agora, é possível para a Índia mudar isso de repente".
Ele prosseguiu: "Os britânicos precisam assumir o risco de deixar a Índia no caos ou na anarquia. Isso acontece porque não há uma lei interna; ela foi imposta ao povo. Se os britânicos não estivessem aqui, estaríamos no meio do fogo da mesma forma, mas esse fogo nos purificaria".
Tomei nota de tudo a mão, torcendo para que meus hieróglifos seguissem rigorosamente o que ele dizia. Gandhi me pediu para eu ler de novo, e depois disse: "Bom". O processo se repetiu em todas as questões, que ele respondia pausadamente, sem hesitações.
Então veio a bomba: "Mas, sr. Campbell, para que jornal o senhor escreve, mesmo?"
"Para a 'Reuter', a agência de notícias."
"'Reuter', a agência imperialista!", exclamou Gandhi, chocado. "Houve um terrível equívoco. Pensei que o sr. fosse de algum jornal humanitário. Expus minhas idéias com franqueza pois achava que falava com um humanitarista."
Ele me lembrou de que, naquele momento, dúzias de enviados especiais e escritores estavam em Nova Déli à espera de uma entrevista com ele e se dispunham a pagar grandes quantias por isso. Afinal, chegamos a um acordo -eu deveria tratar a entrevista como "um encontro entre dois humanitaristas". Deveria também submeter o texto a ele e oferecê-lo a órgãos de imprensa indianos antes de enviá-lo a Londres.
Acabei me convencendo que nunca houve nenhum equívoco. Gandhi sabia que falava à "Reuter".
Quando enviei o texto, ele devolveu com correções mínimas, com um bilhete: "Vejo que você seguiu o espírito de meus comentários. Fiz algumas alterações relevantes, que falam por si. Você distribui as cópias à imprensa indiana ou devo me encarregar disso?".

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