São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Combinação Fatal

DA "NEW SCIENTIST"

Bulas devem informar sobre os riscos de misturar remédio e drogas ilegais?
Quando Philip Kay teve um colapso e morreu depois de tomar ecstasy numa danceteria em Londres em novembro passado, ele não foi notícia. Kay era um fiscal de taxas públicas de 32 anos que já havia tomado ecstasy muitas vezes. Kay também tinha Aids.
O relatório médico afirma que a causa de sua morte foi uma overdose provocada pelo ecstasy. A autópsia indicava que deveriam ter sido pelo menos 22 tabletes, pela quantidade da substância (MDMA) encontrada.
Os amigos de Kay afirmam que ele havia ingerido apenas duas pílulas e aventam a possibilidade de que o medicamento que tomava para controlar a infecção pelo vírus HIV -Ritonavir- possa ter interagido mortalmente com o ecstasy. O Ritonavir provavelmente interferiu na enzima do fígado responsável pelo metabolismo do ecstasy, dificultando seu desaparecimento da corrente sanguínea.
Jim Lumb, que vivia com Kay em Londres e que também toma Ritonavir, lembra que ninguém avisou dos riscos que poderiam correr se ingerissem ecstasy juntamente com o medicamento.
Apesar da maioria dos medicamentos incluir notas de perigo sobre interações com outros remédios, a indústria farmacêutica poucas vezes informa sobre o risco de misturar seus produtos com drogas ilegais. Nem a Medicines Control Agency, da Inglaterra, nem a Food and Drug Administration, dos EUA, têm regulamentação sobre o assunto.
Gordon Boyd, chefe do departamento de desenvolvimento clínico na Europa da Abbott, empresa responsável pela fabricação do Ritonavir, explica que "colocar as instruções no remédio seria admitir certa indulgência com o consumo de drogas ilegais".
O médico responsável pela unidade de doenças infecciosas do City Hospital, em Edinburgo, Escócia, acredita que o argumento das empresas é fraco. "É possível falar sobre o perigo dessa mistura sem ser complacente com o uso de drogas", explica Ray Brettle.
Joe Collier, farmacologista clínico da St. George's Hospital Medical School, em Londres, tem uma posição controversa sobre a necessidade de o Estado regulamentar o assunto. "Se você toma drogas ilegais, colocando-se à margem da lei, não pode esperar que o Estado o proteja", diz. "Quer dizer que viciados em alguma droga não têm direito a um tratamento num hospital?", espanta-se Ralph Edwards, diretor de um organismo internacional (WHO) que publica normas para informações de segurança em medicamentos.
O Ritonavir é um entre os vários medicamentos poderosos que estão sendo usados no controle do vírus HIV quando os pacientes em geral pertencem a comunidades onde o uso de drogas é endêmico.
Mas nem todos estão neste grupo de alto risco. Apenas uma pequena parcela da população (3% a 8%) possui um defeito genético que dificulta o metabolismo de certas drogas pelo organismo. Para essas pessoas, misturar Prozac com ecstasy pode significar estar no limite entre uma forte reação das substâncias ou uma overdose fatal.

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