São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Comigo não

O André tem cinco anos e é o meu segundo filho. Ele nasceu normal, mas, aos três anos, começamos a perceber diferenças entre ele e a Mariana, hoje com sete anos.
O primeiro sintoma foi que ele não parava quieto. Primeiro, foi diagnosticado como hiperativo, depois psicótico, e chegaram a falar em deficiência mental.
O diagnóstico final foi de autismo com alto rendimento. Na verdade, ninguém sabe, porque ele apresenta um pouco de cada coisa.
Ele é disperso, hiperativo, mas raciocina, tem lógica e uma memória fantástica. Mas se você diz um "não", ele se descontrola -se joga no chão, bate com a cabeça na parede.
Quando percebi que algo não ia bem, minha reação foi de incredulidade. Você não acredita que um filho seu pode ter problema. Tenho grande resistência até hoje. Só aceito porque sou obrigado. A gente entra em parafuso. Consulta 300 médicos à procura de um que diga que os outros 299 estão errados.
A situação é muito difícil de enfrentar. É triste, porque não sei qual vai ser o futuro dele. Pode ser que ele consiga ser alfabetizado, mas pode ser que não.
O meu nível de ansiedade ficou muito alto. Não dormia, engordei, brigava com a minha mulher. Entrava no quarto à noite, depois do trabalho, e ela começava a chorar.
O primeiro impulso que temos é de colocar a criança em uma redoma de vidro para que ninguém a machuque. Mas isso não é certo, e temos de mostrar para a sociedade que o problema existe. E não são poucos os casos como o do André.
Mas filho é filho, e cada vez que ele tem um progresso eu quase morro de tanta emoção. Mas a gente tem de se manter um pouco "gelado", porque se não a nossa ansiedade esmaga a criança e ela não se desenvolve sozinha.
Minha relação com o André hoje é a melhor possível. Ele é superamoroso, carinhoso, companheiro, e está sempre comigo nos fins de semana. Faço questão de levá-lo para todos os lugares. Ele já foi até para a Disney.
Ele anda de motinho de três rodas, e a cavalo comigo. Ele tem um comportamento excelente, e se dá muito bem com todos.

(Marcelo Pereira Noto, 36, comerciante, é pai de Mariana, 7, e André, 5, que recebeu diagnóstico de síndrome de Asperger, um tipo de autismo de alto desempenho)

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