São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
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Construtivismo se adaptará à neurociência

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os avanços da ciência do cérebro, a neurologia, ainda não foram incorporados ao construtivismo -base teórica da pedagogia da maioria das escolas brasileiras.
"Nos próximos anos vai ser necessária uma reconsideração da psicologia toda, incorporando tanto os avanços da neurociência como os avanços das situações mais contextuais, mais histórico-sociais", afirma a psicóloga e educadora espanhola Ana Teberosky, uma das teóricas mais importantes do construtivismo atual.
Pesquisadora da Universidade de Barcelona, Teberosky assessora o Ministério da Educação brasileiro na elaboração dos parâmetros curriculares nacionais -as orientações gerais do governo para o ensino fundamental (1º grau)-, que considera "muito interessantes".
A seguir, trechos da entrevista, concedida na semana passada, quando Teberosky, além de discutir os parâmetros, participou de um seminário internacional promovido pelo Colégio Parthenon, em Guarulhos (Grande SP).
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Folha - O que a sra. está achando dos Parâmetros Curriculares Nacionais?
Ana Teberosky - São muito interessantes. É uma proposta inovadora de mudança -muito inovadora, em relação a outros países que conheço na América Latina.
Folha - Em que sentido?
Teberosky - Primeiro, no sentido da atualização do currículo, que precisa ocorrer de tempos em tempos. E essa é uma atualização com uma fundamentação psicológica moderna do ensino e da aprendizagem, que leva em consideração, por exemplo, temas transversais (leia texto ao lado).
Folha - É possível trabalhar esse currículo com professores tão malformados como os brasileiros?
Teberosky - É por isso que nós estamos discutindo ao mesmo tempo a formação inicial e a formação continuada (para quem já está trabalhando) do professor.
Folha - O Ministério da Educação tem anunciado que boa parte dessa formação continuada vai ser por televisão. É possível fazer formação continuada, dessa profundidade, pela televisão?
Teberosky - Só com a televisão, não. A televisão é um instrumento a mais. Você precisa de um assessoramento presencial também. Precisa combinar a televisão com outras coisas -documentos curriculares, propostas de experiências pedagógicas, discussões sobre essas propostas, Internet, se for possível. Precisa de toda uma quantidade de instrumentos para fazer a atualização do professor.
Folha - Um professor que tenha uma boa formação, mas tradicional, não chega aos mesmos resultados que um construtivista?
Teberosky - Eu acho que não. Um professor tradicional pode ter uma intuição sobre o funcionamento psicológico do aluno -no sentido de fazer um cálculo sobre o processo de aprendizagem, das dificuldades etc. Mas o que nós queremos é que esse conhecimento psicológico intuitivo seja um conhecimento explícito, formal, que seja incorporado dentro do processo de ensino-aprendizagem.
É necessário o conhecimento da especificidade do aluno na faixa etária em que está. É necessário um conhecimento dos processos psicológicos de aprendizagem.
Por isso, o conhecimento intuitivo de um bom professor tradicional precisa ser formalizado, explicitado. O saber pedagógico é algo que precisa ser estudado.
Folha - Como a sra. define o construtivismo?
Teberosky - É uma orientação dentro da psicologia atual de considerar o processo da aprendizagem do aluno como um processo de construção. Na psicologia, nós temos o grande pensador Jean Piaget (1896-1980, Suíça), que foi o primeiro que levantou o tema de necessidade de considerar o aspecto construtivo da aprendizagem, do conhecimento. Temos também outro psicólogo, que é Lev Vygotsky (1896-1934, Rússia), que também foi construtivista.
Folha - E o que mudou de Piaget para cá?
Teberosky - Os princípios epistemológicos de Piaget continuam tendo atualidade. Muitas das descrições psicológicas de Piaget continuam com muita atualidade. Mas não todas, porque a ciência avança, a pesquisa avança.
Uma das coisas que mudaram dentro da teoria de Piaget, por exemplo, é a descrição da primeira infância, de 0 a 3 anos. Atualmente a descrição é outra.
Por exemplo, nós sabemos agora que a capacidade do bebê de reconhecimento da linguagem é muito mais precoce do que Piaget havia pensado. Ou o reconhecimento do rosto do outro, do pai, da mãe.
Tem muita coisa que mudou. Mas isso pode ser incorporado no marco teórico epistemológico da descrição piagetiana.
Folha - Quais são as dificuldades que o construtivismo enfrenta hoje enquanto teoria, quais são os seus limites, suas fronteiras?
Teberosky - Uma das questões que talvez tenha mudado da perspectiva tradicional foi que Piaget inicialmente tinha feito uma contraposição entre construção e aprendizagem. Agora, nós não fazemos essa contraposição.
Dentro do processo de aprendizagem nós falamos do processo de construção também, mas não como uma contraposição, e sim como uma interação.
Folha - A aprendizagem é a aquisição de conhecimentos?
Teberosky - Exatamente. Conhecimentos mais escolares, mais sociais. Esses dois termos (construção e aprendizagem) estão sendo reconceitualizados, na perspectiva de incorporação e complementaridade. Falamos da construção do conhecimento como falamos da construção da aprendizagem.
Outro limite da teoria construtivista pode ser determinado pelo avanço da neurociência (ciência do cérebro), que está sendo muito rápido neste momento. E muitos dos resultados da neurociência ainda não estão incorporados na teoria construtivista.
Nos próximos anos vai ser necessária uma reconsideração da psicologia toda, incorporando tanto os avanços da neurociência como os avanços das situações mais contextuais, mais histórico-sociais.
Mas isso acontece também com as outras ciências, com a psicanálise, com qualquer ciência que estuda o ser humano.

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