São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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Dossiê indica existência de cartel no RS

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A SANTA MARIA

O engenheiro gaúcho João Batista Veras, 36, entregou ao Ministério Público do Rio Grande do Sul um dossiê com gravações de conversas telefônicas com empreiteiros do interior do Estado relatando fraudes em concorrências públicas da CRT (Companhia Riograndense de Telecomunicações).
Veras diz que há dois anos foi montado um "cartel" de empresas que, segundo ele, controla as concorrências para instalação de redes telefônicas em metade do Estado. Diz que o esquema é coordenado por empresas com sede em Santa Maria, Passo Fundo e Santo Ângelo.
Fazendo-se passar por um empreiteiro em busca de obras naquela região, Veras gravou suas conversas com os supostos coordenadores dos esquemas.
Os diálogos, negados pelos interlocutores, descrevem o submundo das concorrências públicas, onde empresários falam, explicitamente, sobre a manipulação de licitações e sobre a divisão do mercado entre eles.
As gravações mostram que as empreiteiras acertam previamente entre elas quem vai vencer uma determinada licitação. A escolhida faz sua proposta de preço, e as demais lhe dão cobertura com propostas sem competitividade.
A primeira ligação foi feita para a empresa Veiga Construções, de Santo Ângelo, que estaria comandando o acerto no município. Veras conversa com Marli, mulher de Paulo Veiga, proprietário da construtora.
"Existe a possibilidade de a gente fazer algum tipo de acordo para conseguir preço bom nas licitações?", indaga o engenheiro.
Ela responde: "Aqui eles têm acordo fechado". Depois, dá o número do celular do marido ao falso empreiteiro.
Paulo Veiga, por sua vez, admite que dez empresas participam do esquema para rateio das obras na região de Santo Ângelo e dá os telefones e os nomes dos supostos coordenadores em Passo Fundo e em Santa Maria: Wilmar Cunha, da Cunha Telecomunicações, e Carlos Santana, da Santana Instalações Elétricas.
Descreve também seu acordo particular com Santana: "(...) Eu não entro lá e ele não entra aqui".
Na segunda gravação, o engenheiro conversa com o empreiteiro Valter de Ávila, de Santa Maria. O empresário fala sobre o papel desempenhado por Carlos Santana: "Ele é que faz os acertos aqui para nós. Ele fala se tu tem interesse aqui ou acolá. A gente combina e depois cota o preço".
"A CRT fica sabendo? ", pergunta Veras. E ele responde: "Não. Se ficam sabendo, nos cortam e aí é coisa pesada, é barra pesada. Qualquer coisa que eles desconfiam, eles cancelam".
Na ligação para Wilmar Cunha, de Passo Fundo, o empresário diz: "Aqui, quando nós fazemos acordo, a gente conversa antes". O engenheiro pergunta se algum funcionário da CRT tem conhecimento do acerto. Ele nega.
"A CRT até desconfia, mas nós estamos dando o preço que eles estão pedindo. O problema é que hoje tem bastante obra, bastante serviço, entendeu?", diz Cunha.
O engenheiro afirma que decidiu fazer a denúncia por ter sido prejudicado pela ação do "cartel". Sua empresa, a Eletro Rural Engenharia, de Santa Maria (a 292 km de Porto Alegre), faliu em 1995, depois de 11 anos de existência.
Ele diz que tinha 36 empregados e que a empresa ficou inviabilizada quando o esquema de divisão de obras entrou em funcionamento. Desde o início de 95, o engenheiro trava uma guerra contra as empreiteiras que, segundo ele, fazem parte do cartel. Gravou mais de duas horas de conversas telefônicas com pessoas envolvidas no suposto esquema e montou 32 dossiês com cópias das gravações.
Prestou, espontaneamente, dois depoimentos ao Ministério Público do Rio Grande do Sul para oficializar suas denúncias. O primeiro no dia 1º de abril deste ano e o segundo no dia 27 de maio.
Mandou cópias das gravações para a Assembléia Legislativa, o Tribunal de Contas do Estado, para deputados, secretários de governo, para a direção da CRT e até para a Telefônica da Espanha, que, no final do ano passado, comprou 35% das ações da estatal em consórcio com o grupo de comunicação RBS (Rede Brasil Sul).
O Ministério Público abriu três inquéritos para apurar as denúncias: em Santa Maria, Santo Ângelo e Passo Fundo.
No plano pessoal, o engenheiro paga um preço alto por sua decisão: sua família o internou duas vezes em clínica psiquiátrica no ano passado e seu casamento está em crise. Mesmo assim, diz que não desiste. "Não tenho nada a perder. Nem a temer."
O promotor de Justiça que conduz o inquérito em Santa Maria, João Marcos Adede y Castro, diz que assumiu o caso no dia 31 de dezembro do ano passado, que, porém, pouco pôde fazer até agora porque tem outros 200 inquéritos sob sua responsabilidade.
O promotor diz que as cópias das fitas que fazem parte do inquérito "deixam claro o acerto entre os empreiteiros da região", mas até o momento não foi feita perícia para aferir sua autenticidade.

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