São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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Feira vai de Freud on-line a bolo sem ovos

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

A melhor e a pior coisa de uma feira de livro são os próprios, os livros.
Não há nada mais sufocante do que a sensação -ou a certeza- de que, por mais tempo que se tenha na vida, nunca haverá o suficiente para ler o que se quer ou, ao menos, o que se deve. Uma bienal do livro serve, prioritariamente, para exacerbar essa angústia.
Mas claro que tem outras muitas utilidades para quem consegue superar o trauma da ignorância consolidada -sempre haverá milhares de coisas sobre as quais você não saberá nada, até morrer.
Até o próximo dia 24, os 44 mil metros quadrados do Pavilhão do Riocentro abrigarão 125 mil títulos, sendo 1.500 deles lançamentos fresquinhos. Os homens que fazem dos livros o seu negócio esperam ver R$ 45 milhões passarem por ali nesses dias.
A Bienal do Livro do Rio é formatada como uma grande, espaçosa e variada livraria. Os estandes das editoras estão ali para eliminar intermediários, no caso as livrarias propriamente ditas, que por sua vez também encontram-se bem instaladas na área da feira.
Por causa da multiplicidade de pontos-de-venda, há títulos com os quais o visitante vai se defrontar várias vezes em lugares diferentes -no estande da editora e no de mais de uma livraria. Isso é o que faz um best-seller...
Cyberpunk
O estande das HQs é um bom começo para o visitante descompromissado. Vilões e heróis se mesclam em ambientes de alta tecnologia, com uma tônica cyberpunk de causar arrepios.
Quer algo mais ameno? Sem problemas: há um estande em que, a partir do significado de seu nome, você saberá qual é o seu anjo da guarda, a que categoria celeste ele pertence, o nome original etc. Pode levar para casa até uma espécie de diploma do seu anjo "oficial".
Mas se você prefere saber sobre o "outro lado", vá ao estande da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e dê uma olhada em "O Mal à Brasileira" (R$ 25). São ensaios reunidos por Patrícia Birman que perscrutam as origens da ruindade nacional em várias esferas e suas derivações do famoso caráter cordial brasileiro.
Para o homem que morre de inveja da mulher, que, além de ter-se libertado do jugo do machismo, conquistou o direito ao seu ponto "G", a vingança pode estar num livro chamado "O Orgasmo Múltiplo do Homem", de Mantak Chia e D. Arava. Está no estande da editora Objetiva e custa R$ 22,80.
Guiado por técnicas orientais milenares -e auxiliado por ilustrações esquemáticas- o leitor poderá chegar, garantem os autores, a algo parecido com o paraíso. O teor é de sexo "bom" e "saudável" e há até um capítulo destinado às especificidades dos gays.
Hare-hare
Ainda no mundo das energizações, eis que se pode visitar o estande dos hare-krishna, repleto de bons fluídos. Inclusive na forma de um livro que ensina cem maneiras de se fazer bolos sem usar ovo. Uma maravilha gastronômico-natureba. Sem colesterol.
Quer saber se você é um leitor estressado? Dê uma parada no estande do Hospital Adventista Silvestre, responda a um questionário de 18 tópicos tipo "você tem se sentido triste" e um computador dirá qual o seu grau de estresse.
Mas o que uma feira desse tipo prova, e isso é fácil de ver, é que a moda das biografias ainda não acabou (tromba-se com a imagem ampliada do cantor Cazuza a todo instante, por conta do livro sobre sua vida, escrito pela mãe, Lúcia Araújo) e que os escritos sobre auto-ajuda, estratégias empresariais e "gestão pessoal" consomem papel equivalente a muitas florestas.
A ala oficial está bem representada na Bienal. De maneira contrastante, aliás. Enquanto o estande do MEC/Funarte é amplo e atraente, com muitas novidades, o do Ministério da Educação e do Desporto se resume a meia dúzia de livrinhos e catálogos e um aparelho de TV. Pobre e triste, porém ostentando uma faixa com a atual propaganda governamental, "Brasil em Ação". Parece piada.
Mas o que chama a atenção mesmo é o estande do Senado Federal. Sim, o Senado mantém uma editora e ela está lá, na Bienal, num estande iluminado e supostamente chique, bem maior que o de muitas editoras comerciais.
À disposição do leitor, títulos importantes, como a Constituição Brasileira em inglês, ou emocionantes como "Senadores de Goiás, 1826-1996"...
Freud explica no CD
É na área da psicologia, no entanto, que se encontra uma das grandes novidades da Bienal.
A editora Imago está apresentando ao público versão eletrônica da obra completa de Freud.
Os 24 volumes que constituem o pensamento do chamado pai da psicanálise foram inteiramente enfiados em um CD-ROM.
Assim, basta alguns cliques para se penetrar no âmago de questões que levaram séculos para serem decifradas (se é que o foram), num instrumento útil e relativamente barato (R$ 120,00) para quem se interessa pelos mistérios da mente.

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