São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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Danilo e Débora

JOSÉ SARNEY

O mundo da televisão tem a capacidade de gerar o pseudofato, que nos emociona mais que o verdadeiro. É como dizia Ibrahim Sued: "As flores são tão bonitas que parecem até artificiais".
É o caso desse menino Danilo, que os fotógrafos e cinegrafistas colocaram em frente às câmeras para "favorzar" o presidente do Banco Central com aquele "ei, me dá um trocado!". Na realidade, era uma foto a ser meditada pelo doutor Franco sobre a nossa sociedade.
O doutor Franco não podia dar nada, pois negaria a filosofia neoliberal de que não se deve dar nada a ninguém. O presidente do Banco Central não pode dar exemplo de desperdício, num gesto que não tem retorno, para quem não tem cadastro nem necessita de Proer. Mas, mesmo sabendo disso, os jornalistas pegaram Danilo e o colocaram como símbolo de uma denúncia sobre as injustiças sociais e o perigo de um projeto voltado exclusivamente para o lado econômico.
Outro fato, esse ainda não visualizado, mas com todos doidos para vê-lo, é o resultante de Débora, militante sem-terra, tomar a decisão de posar nua para uma revista, a fim de, com o cachê, aliviar as dificuldades da vida. Afinal, diz ela, "já tive dois filhos, mas ainda não sou de jogar fora". Sua mãe apoiou a decisão, embora o teórico Stedile tenha examinado o fato à luz da doutrina e se posicionado contra.
Não sejamos sectários. Posar nua para causas nobres tem precedentes históricos. O mais antigo e proclamado deles é o de lady Godiva, aquela senhora que pediu a seu marido, duque Leofric, em 1040, que baixasse os impostos de seus posseiros. Ele condicionou o gesto a que ela desfilasse nua na cidade de Coventry, na Inglaterra. Lady Godiva pagou o preço e a tradição fez com que, durante muitos séculos, as moças da cidade fizessem o mesmo.
Maitê Proença, para satisfação de muitos, desfilou nua na cidade de Araxá, para uma novela. Nos meus tempos de colégio, o padre Newton, professor de latim, nos dava uma poesia de Ovídio que, no desterro, pedia a compreensão do imperador Augusto para sua causa, alegando que Acteon vira a deusa Diana nua e fora vítima de seus cães.
Santos também despiram-se. As vestes de santo Estevão foram arrancadas e colocadas aos pés de Saulo. Diz santo Ambrósio que as vestes fizeram o milagre da conversão do apóstolo. Santo Antônio, confessor de um monge que não resistia às tentações da carne, retirou-se do confessionário e se despiu de sua túnica para que o pecador, de posse dela, lutasse contra a sensualidade. José, no Egito, teve sua roupa arrancada pela mulher de Putifar, que queria seduzi-lo, e ficou pelado.
A Vênus de Milo está nua; tem cabeça e não tem braços. Já a deusa da Vitória, triunfante no Louvre, está seminua, sem cabeça. Dizem que o sortilégio de perder a cabeça é a certeza de que aquele corpo não precisa de cabeça.
Há na Bíblia a parábola da mulher que perdeu uma moeda, acendeu uma candeia e foi procurá-la.
Débora, que não é nada disso, nem deusa nem santa, tem a beleza de seu corpo e não quer deixar a ribalta para Adriane Galisteu.

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