São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O novo caminho da América

RAUL PONT

O 7º Foro de São Paulo, que se encerrou no último dia 3, em Porto Alegre, constituiu significativo avanço da esquerda e das forças democrático-populares da América Latina e do Caribe.
A presença de 158 delegadas e delegados de 58 partidos, representando 20 países da América Latina e do Caribe, além de 36 organizações, demonstra a sua legitimidade. Ficou, também, comprovada sua vitalidade, levando-se em consideração todas as dificuldades para a realização de um evento desse porte.
Se o compararmos, por exemplo, com os encontros da democracia cristã e da social-democracia européias, muito mais ricas, enraizadas em partidos mais antigos, controlando centenas de sindicatos e organizações da sociedade civil, muitos deles no poder há anos, evidencia-se sua representatividade.
Trata-se, com efeito, da retomada de uma trajetória. Em sua grande maioria, os países latino-americanos e caribenhos viviam de costas uns para os outros, submissos, pela ação política das elites, à imposição dos grandes centros do poder econômico mundial.
Assim, o grande significado do foro é que, mesmo levando em conta a diversidade das origens e dos posicionamentos dos partidos integrantes, não houve discordância no diagnóstico sobre a realidade continental nem sobre a necessidade de unificar as forças democráticas e populares na luta contra o modelo neoliberal, com todas as suas consequências de exclusão social, desemprego estrutural, concentração da riqueza, desmonte do Estado e estrangulamento da soberania nacional.
Esse avanço torna-se ainda mais nítido se recuarmos no tempo e lembrarmos o 1º Foro, realizado em São Paulo. Naquela época, algumas delegações nem mesmo falavam entre si; o diálogo era muito mais problemático. Desde então, as coisas evoluíram paulatinamente, chegando-se, hoje, a um razoável e promissor nível de entendimento.
Mas é preciso deixar claro que persistem muitos problemas e insuficiências; são naturais as dificuldades para a ação comum, assim como é difícil unificar propostas para a superação dos vícios e limites do regime representativo, predominante hoje, para uma democracia que expresse verdadeiramente a vontade popular.
Entretanto, a própria evolução do Foro de São Paulo vem colocando as premissas para a construção de uma nova democracia participativa, na qual a experiência de Porto Alegre exerce um papel muito importante.
Como resultado do encontro, foram feitos contatos entre partidos e organizações que pouco se entendiam ou se conheciam anteriormente e marcados encontros bilaterais para a troca de experiências, ações de solidariedade que devem se realizar até o próximo foro, em 98, no México. Isso significa que as delegações estão muito mais seguras, e o clima que perpassou a reunião na capital gaúcha não teve a sombra negativa da desconfiança e do preconceito.
Por outro lado, ficou evidente a necessidade de construir um campo democrático-popular mais amplo do que a aliança entre os trabalhadores da cidade e do campo.
Nesse sentido, deve-se ressaltar que, paralelamente ao foro, realizaram-se vários seminários e painéis setoriais de mulheres, negros, cultura, parlamentares etc. Entre eles, o primeiro encontro de empresários que se opõem à imposição do modelo neoliberal, com importantes organismos, como Cives (Brasil), Apyme (Argentina) e Anit (México), que debateram um modelo alternativo de desenvolvimento.
Na Carta de Porto Alegre, os empresários defendem que "as empresas nacionais são um termômetro e um patrimônio da sociedade. Milhares delas têm quebrado, em consequência das novas regras da economia mundial e da abertura indiscriminada do mercado, deixando um rastro de desemprego e exclusão social, consequência do modelo neoliberal adotado". Além disso, os empresários afirmam que "é vital nos reunirmos com os demais segmentos sociais".
Portanto, alcançamos um novo patamar na América Latina e no Caribe. Houve um avanço no intercâmbio em relação à experiência acumulada por governos de esquerda em cidades importantes, como Porto Alegre, Belém do Pará, Belo Horizonte, Montevidéu, Cuenca (Equador) e, agora, San Salvador e Cidade do México.
Constatou-se que a esquerda governa centenas de cidades na América Latina e no Caribe. Possui uma representação parlamentar de centenas de deputados e vereadores. Na Nicarágua, os sandinistas governam 40% das prefeituras.
Sem essas experiências, o foro teria muito mais dificuldades para encontrar caminhos de unidade e ação. Mas cada "alcadia", prefeitura ou intendência, cada ação parlamentar está contribuindo para a reflexão, o amadurecimento e a realização de uma nova prática política no continente latino-americano.
Finalmente, tem sido decisivo o ressurgimento dos movimentos sociais, como o MST, no Brasil, e a Confederação Indígena, no Equador, além da "insurgencia" zapatista em Chiapas, no México. Esses movimentos sociais, por terra, igualdade e trabalho, juntamente com outros, que expressam a luta contra a discriminação de gênero ou racial, revelam toda a potencialidade das lutas sociais, que partidos e movimentos políticos precisam incorporar.
A participação popular e a luta democrática precisam ter no foro o grande espaço apropriado para a reflexão, o debate e a consolidação da alternativa democrático-popular.

Texto Anterior: Danilo e Débora
Próximo Texto: Condenação sem julgamento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.