São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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Neve espacial invade atmosfera

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os dados obtidos pela Nasa (agência espacial dos EUA) nos últimos 15 meses com o satélite Polar demonstraram definitivamente a existência de objetos com grande quantidade de água penetrando na nossa atmosfera superior.
As imagens obtidas pelo satélite mostraram pequenos objetos se desintegrando entre 8.000 km e 24.000 km acima da Terra. Elas foram apresentadas na reunião da União Geofísica Americana, em Baltimore (EUA), em 28 de maio de 1997, pelo físico norte-americano Louis Frank, da Universidade de Iowa (leia texto abaixo).
Os resultados comprovaram a existência de gigantescas "bolas de neve", com cerca de 40 toneladas, que se rompem ao se aproximar de nosso planeta. A elas se atribui as enormes concentrações de vapor d'água existentes na alta atmosfera, detectadas também na semana passada pelo satélite alemão Christa-Spas, posto em órbita pelo ônibus espacial Discovery.
Os estudos de Frank mostram que um grande número de bolas de neve -também chamadas de minicometas- penetram em nossa atmosfera, a uma taxa média de de 20 por minuto, o que equivale a cerca de 10 milhões por ano.
Auroras polares
Toda essa história começou com dados obtidos pelos satélites Dynamics Explorer 1 e 2, lançados em agosto de 1981. Frank era o responsável por instrumentos de bordo dos satélites destinados a obter dados sobre as auroras polares -formações luminosas da mesosfera provocadas pela passagem da radiação solar, observáveis apenas nas regiões polares.
Frank se surpreendeu com manchas escuras que pareciam constituir buracos em uma das imagens. Esses buracos, de 50 km a 100 km de diâmetro, só poderiam ser constituídos de vapor d'água.
A vapor d'água é a única substância gasosa no Sistema Solar que pode absorver eficientemente a "luminosidade diurna" ao longo da linha de visada das câmeras. Não existe nenhuma outra substância ou mecanismo alternativo.
Em 1988, o físico Clayne Yeates, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, detectou os rastros mais fracos dos pequenos cometas.
Os objetos fotografados, além da natureza escura, tinham o mesmo movimento em órbita, velocidade, dimensões e frequência dos buracos atmosféricos que os minicometas deixam em sua passagem através da atmosfera.
As notáveis imagens dos minicometas obtidas recentemente pelo Polar impressionaram os cientistas. Elas mostraram que existe uma enorme população de objetos dessa natureza nas vizinhanças da Terra que não havia sido detectada anteriormente.
Esses pequenos cometas parecem se deslocar em correntes. Sua velocidade de 145.000 km/h é tal que eles se movem mais rapidamente do que o nosso planeta ao redor do Sol.
Nuvens noctilucentes
Uma das consequências mais notáveis da existência dos minicometas é o fato de que ela permite explicar a origem das nuvens noctilucentes, que era desconhecida.
Pesquisas anteriores demonstraram que essas nuvens prateadas ou branco-azuladas, que só podem ser vistas nas regiões polares no verão, são formadas por cristais de gelo na faixa de altitude entre 80 km e 90 km. Mas a origem da água nesse nível da atmosfera permanecia inexplicável. A formação dessas nuvens requer uma quantidade enorme de água, impossível de ser obtida da evaporação oceânica.
Por serem muito menores do que os mais famosos cometas, como o Halley ou o Hale-Bopp, e por não terem ferro e outros metais, é impossível que eles tenham brilho e cauda parecidos com os dos grandes cometas.
Mas o que eles têm em comum -e essa é a razão pela qual foram denominados de "pequenos cometas"- é que são feitos principalmente de água.
Os minicometas não provêm das nuvens de Oort, situadas além das órbitas dos planetas, mas da faixa interna do material cometário situado próximo à órbita de Netuno.
Para explicar o constante bombardeamento da Terra, um grande, escuro e ainda não descoberto planeta deve passar periodicamente através da parte externa dessa faixa. A excêntrica órbita desse planeta escuro deve cruzar o anel a cada 26 milhões de anos, enviando minicometas ao Sistema Solar interno, em direção à Terra.
Ainda não há registro do impacto de minicometas com satélites e ônibus espaciais, que voam em órbita relativamente baixa, em que quase todas essas bolas de neve já se desintegraram em nuvens. Não se conhece nenhum registro de um tal acidente, mas algumas espaçonaves se perderam e não se sabe o porquê.
Aceitando o atual fluxo de pequenos cometas como tendo sido o mesmo nos últimos 4,5 bilhões de anos, Frank acredita que eles podem ter sido os responsáveis por toda a água existente na Terra.
Mas como conciliar a idéia do imenso fluxo de água trazido pelos minicometas com a extrema secura da estratosfera? Frank explica que a água se precipita em chuvas.
No momento, a possibilidade de que os pequenos cometas contenham material orgânico é para Frank uma especulação.
Se a origem da água em nosso planeta for extraterrestre, deverá ser revista a explicação do surgimento da vida, como a conhecíamos até o advento da descoberta dos minicometas por Frank. O mesmo poderá ocorrer com relação a outros planetas do Sistema Solar.

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