São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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DISTORÇÃO UNIVERSITÁRIA

Pesquisa feita pela Andifes (Associação Nacional dos Docentes de Instituições Federais de Ensino Superior), publicada hoje pela Folha, traz dados que comprovam as claras e inaceitáveis distorções a que está sujeito o atual sistema de custeio do ensino nas universidades públicas.
Entre os alunos vinculados a essas instituições, 55,7% deles pertencem às chamadas classes A e B e nada menos que 55% dos matriculados cursaram o 2º grau em escolas privadas.
Esses índices permitem constatar a gravidade de uma discrepância presente, em maior ou menor proporção, em quase todo o sistema público de ensino superior brasileiro: a gratuidade vem favorecendo muito mais os segmentos sociais que naturalmente teriam melhores condições de prescindir desse benefício.
Esse cruel paradoxo é reforçado por outros dois surpreendentes indicadores: 30,2% dos alunos da classe A e 37,8% dos da B já possuem trabalho remunerado, fator que os credenciaria ainda mais a custear seus estudos. E, do total de alunos, 64,5% moram no momento com pais ou parentes, o que em muitos casos permite diminuir os custos de provimento da subsistência pessoal.
Além disso, ao se candidatar aos cursos das universidades federais, a maioria dos alunos não se pautou apenas pelo critério da qualidade de ensino, que nessas instituições é, em geral, superior à das faculdades particulares. A gratuidade foi o fator mais frequentemente mencionado, aparecendo em 83% das respostas, enquanto o aspecto pedagógico é indicado em 59% delas.
Considerando que o estatuto da gratuidade tem como função primordial contemplar a necessidade das classes menos favorecidas de ter acesso ao ensino superior, o levantamento da Andifes acaba por reforçar a exigência de que esse benefício venha a ser progressivamente restrito aos que comprovadamente não podem custear seus estudos.
Parece pouco válido o argumento de que o orçamento da maioria das universidades européias é sustentado por verbas estatais. Lá, a boa qualidade dos ensinos básico e médio há muito tempo já é uma realidade e por isso mesmo o acesso aos cursos superiores se dá de maneira mais competitiva. No Brasil, porém, o desafio de qualificar os ensinos de 1º e 2º graus mal começou a ser enfrentado.
Por fim, a formação universitária ainda é um importante fator de ascensão social. Nada mais justo, então, que os que dela se beneficiam arquem com a totalidade (ou parte) dos custos. Cobrar dos alunos mais abastados é muito mais legítimo que continuar taxando a população como um todo, que, no final das contas, não necessariamente irá se beneficiar desse desembolso.

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