São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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Não incendeiem a juíza

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - A juíza Sandra De Santis Mello poderia ter dado uma sentença endereçada à opinião pública. Voltaria para casa feliz e dormiria com os louros. Ela, porém, preferiu o caminho mais difícil, mais polêmico. No mínimo, foi corajosa.
Sandra disse à Folha que o juiz deve consultar "os fatos, as leis e a própria consciência".
Fatos: os implicados não tinham comportamento anterior que pudesse antecipar a selvageria contra o índio Galdino. E todos garantiram, sem combinação prévia, que a intenção era apenas "dar um susto". Não há evidências de que eles tenham se preparado efetivamente para matar.
Leis: advogados renomados, como o criminalista Arnaldo Malheiros e o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Jairo Fonseca, disseram à Folha que a decisão da juíza não foi absurda. A jurisprudência a respalda.
Consciência: bem, isso é só com a própria juíza e seu travesseiro.
Na sua sentença, ela não absolve os culpados. Apenas diz que o crime, inquestionavelmente brutal, bárbaro, sem sentido, não foi doloso (não foi com intenção de matar), mas sim lesão corporal seguida de morte (assassinato não intencional).
Na prática, significa que os implicados não serão julgados por júri popular. E estarão sujeitos à pena máxima não de 30 anos, mas de 13.
O problema é que a legislação dá direito à liberdade a quem cumpre um sexto da pena. Aí é difícil engolir. Mas a lei é feita pelo Congresso, não pela juíza.
O crime foi hediondo? Foi. Foi cometido por rapazes bem nutridos contra um pobre índio indefeso? Foi. É necessária uma punição severa? É.
Mas isso não pode se tornar um delírio coletivo irracional. Nem devem imolar a juíza em praça pública.
O objetivo da Justiça é punir os culpados, não transformá-los em bodes expiatórios das mazelas seculares da sociedade, como o preconceito e a perseguição contra os hoje pomposamente chamados de "excluídos".
Se faltou sentimento aos acusados, não deve faltar razão aos seus juízes. Que simplesmente se faça justiça.

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