São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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Prova de fogo para a sociedade

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O Brasil se prepara para ampliar o uso de penas alternativas para os crimes de menor gravidade. O país concluiu ser impossível construir e manter cadeias para todos e que raros são os casos de recuperação depois de longos estágios nos presídios convencionais.
As penas constantes do projeto de lei 2.684-B, aprovado em redação final na Câmara dos Deputados em 23 de julho último, prevêem, dentre outras, a prestação pecuniária; a perda de bens e valores; o recolhimento domiciliar; a prestação de serviços à comunidade e a limitação de fim-de-semana.
Trata-se, sem dúvida, de uma inovação interessante. Muita gente gosta da idéia de os condenados prestarem serviços gratuitos a hospitais, escolas, orfanatos e entidades comunitárias.
Na opinião dessas pessoas -e também na minha-, a alternativa de trabalho, em lugar de encarceramento, constitui uma contribuição social valiosa à sociedade e ao próprio criminoso, pois, por meio dela, ele é colocado em contato com os reais problemas da população, tendo aí uma oportunidade de aprender a dureza da vida de quem trabalha.
O projeto fixa que os serviços devem ser prestados em complemento à jornada normal de trabalho do condenado, tratando-se, assim, de um esforço adicional no campo laboral.
A idéia em si é perfeita, mas ela será um grande teste para o Poder Judiciário e, sobretudo, para a sociedade. Como disse, muita gente é a favor de os condenados trabalharem. Mas será que essa mesma gente vai dar oportunidades a eles?
O Congresso Nacional está cumprindo a sua parte, mas, uma vez aprovada, a lei vai exigir uma reforma de mentalidade de muitos administradores de hospitais, escolas e outras instituições potencialmente adequadas para aceitar a colaboração episódica de condenados pela Justiça.
É claro que esse tipo de pena não pode ser aplicado indiscriminadamente a pessoas que cometam crimes cercados de violência ou ameaça à pessoa humana -como é o caso, por exemplo, dos que mataram o índio pataxó. Aliás, essa exclusão está prevista no referido projeto de lei.
Mas a inovação vai testar a convicção dos que sempre defenderam penas alternativas. Desconfio que não será fácil encontrar quem abrigue todos os condenados a cumprir esse novo tipo de pena. Muita gente poderá mudar de opinião. Muitos que até então defendiam as penas alternativas preferirão que os sentenciados fiquem longe de suas entidades e, portanto, fora da sociedade.
Ou seja, a nova lei testará a solidariedade da sociedade. Por isso, não se podem esperar resultados imediatos. Mas não há, tampouco, motivos para desanimar. As penas alternativas são muito promissoras. Elas podem fazer mais do que as penas comuns. Para muitos, a obrigatoriedade de trabalhar em uma instituição social é mais detestada do que a vida ociosa da cadeia pública. Isso significa que o potencial preventivo de tais penas deve ser maior do que o das penas tradicionais. Vale a pena testar a idéia.

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