São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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A antipolítica industrial

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

A política do governo FHC de expor a indústria a condições adversas, longe de modernizá-la, está levando-a à desarticulação e à desnacionalização. De acordo com uma pesquisa feita pela firma de consultoria McKinsey & Co., citada pelo jornalista Celso Pinto (Folha, 3/8), setores importantes da indústria brasileira têm apresentado desempenho de 50% a 70% inferior aos melhores desempenhos internacionais.
Como é, então, que nossas mercadorias vão poder enfrentar os importados ou competir no mercado externo se, além dessa superioridade tecnológica, ainda por cima os produtores nacionais se defrontam com uma sobrevalorização cambial e com taxas de juros novamente em alta?
Para os tecnocratas que ocupam os luxuosos gabinetes de Brasília, é muito simples. Basta deixar a indústria brasileira exposta ao mercado, conforme disse o presidente do Banco Central, inclusive com a desvantagem cambial, que ela ganha produtividade... a menos que venha a desaparecer.
Seria interessante dar uma dessas empresas na mão de algum desses teóricos de plantão, que nunca pisaram numa linha de montagem, para ver como eles sobreviveriam ao "custo Brasil" e outras "vantagens" que eles proporcionaram à indústria brasileira.
É lamentável que, num momento de acirramento da competição internacional, o governo brasileiro coloque a indústria nacional em condição de inferioridade, fazendo justamente o contrário dos demais governos, que costumam defender os interesses de suas empresas dentro e fora do país.
Não se trata de dar muletas ou prolongar o paternalismo, mas sim de desatar a âncora cambial que amarra as pernas do empresariado brasileiro.
Não é verdade que a globalização elimine os vínculos das empresas com seus países de origem. Em 1992, nos EUA, o Partido Democrata venceu as eleições presidenciais com um programa explícito de fortalecimento das empresas norte-americanas. Foi o que Clinton pôs em prática em seu primeiro mandato, o que contribuiu para a recuperação do parque industrial norte-americano dentro e fora dos EUA.
Era natural que o chefe do governo norte-americano aconselhasse aos parceiros comerciais, como o Brasil, que liberalizassem ao máximo, para dar todas as vantagens às empresas norte-americanas. Aliás, Clinton em pessoa não perdeu a oportunidade de interceder junto a Fernando Henrique Cardoso para a escolha de uma empresa dos EUA para o projeto Sivam.
Os atuais membros da equipe econômica, que tanto cultivam os "ensinamentos" que vêm do norte, deveriam levar menos a sério o que eles dizem e, pelo menos em certas coisas, prestar mais atenção ao que eles fazem.
Por outro lado, chama a atenção a passividade -até mesmo a conivência- com que o empresariado brasileiro aceita essa situação.
Em vez de seguir o exemplo de combatividade do MST e exigir mudanças no câmbio e nos juros, dentro de uma política industrial clara e bem definida, que crie empregos, o empresariado se contenta em almoçar com o presidente e ouvir belos discursos. À espera, talvez, de vender a empresa a um grupo estrangeiro ou, quem sabe, fazer um bom negócio de privatização, que compense os vários anos de vacas magras.
Enquanto o empresariado brasileiro tiver essa subserviência e ficar olhando para o próprio umbigo, não teremos uma política industrial decente no país.

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