São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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Viagem para Urano

"Era como se estivesse numa bicicleta, e de repente, tivesse passado um foguete. Entrei nele e fui para Urano. Voltei de lá a pé e sem mapa." Em entrevista no dia em que completou um ano do acidente que o deixou três dias em coma e tirou sua memória, é assim que o ator Fernando Alves Pinto, 28, de "Terra Estrangeira", descreve o tombo que levou de bicicleta em 12 de agosto de 96.
Fernando bateu a cabeça no chão, sofreu traumatismo craniano e fez duas operações para tirar coágulos do cérebro. Dos 20 dias no hospital, não lembra nada. Em casa, reconhecia só os pais, irmãos e a namorada. "Meu cérebro era como uma sala que estava cheia e de repente se esvaziou. Cada amigo que me visitava, era uma alegria. Sabia que adorava o cara, mas não sabia o nome dele, como o conheci e por que gostava dele."
No trabalho, Fernando decorava textos normalmente -apesar de ter esquecido dos filmes que assistiu e até mesmo do "Hamlet", que havia decorado-, mas tudo era lento. "Minha memória voltava em flashs desordenados e aleatoriamente, atrapalhando a concentração."
A "aflição" de não lembrar dos amigos fez Fernando desenvolver um centro investigativo no cérebro. "Quando via as pessoas, sabia que já as conhecia e sempre tinha uma sugestão se era do trabalho, da família ou uma paquera. Procurava quem era nos arquivos do meu cérebro e usava frases do tipo "Minha irmã vai bem", para saber se conhecia a família."
Às vezes, o trabalho de detetive o colocava em posições "vergonhosas". "Numa estréia, vi uma menina alta e bonita e a reconheci. Ela poderia ter sido ex-namorada ou uma paquera. Passei a mão por sua cintura, e ela me olhou friamente. Perguntei: 'Lembra de mim?'. Mas era eu quem não lembrava. Ela era a bela atendente do banco."
Hoje, ele acredita estar recuperado e já ensaia a peça "PromisQuidade" -de Pedro Vicente, seu irmão-, mas não sabe se os lapsos de memória voltarão com pessoas que ainda não encontrou.

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