São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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Esqueci meu marido

"Lua, lua, lua." Aos 44 anos, dentro de um hospital se recuperando de um derrame cerebral hemorrágico, estas eram as únicas palavras que Ana Maria Pita de Melo conseguia balbuciar.
O derrame aconteceu na tarde de 11 de abril de 1988. Ana Maria havia saído de uma reunião na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, onde era vice-coordenadora de mestrado.
A discussão havia sido ruim e, no final, ela já sentia a cabeça pesada. As dores culminaram com o derrame, fruto de um problema de hipertensão. Ela acordou no dia seguinte, na UTI, ao lado do marido, que não reconheceu.
Não reconheceu também os filhos, os amigos, esqueceu seu nome, sua casa, seu trabalho e o significado das palavras.
"No hospital, eu sempre via Hermes, meu marido, mas não reconhecia as pessoas, nem lembrava seus nomes. Eu sentia muito carinho por ele, mas não sabia quem era. Quando vi meus três filhos, fiquei muito emocionada. Sabia que eram importantes", conta Ana Maria.
Para achar o nome certo para os objetos, Ana Maria chegava a fazer três ou quatro tentativas antes. Também não podia ficar sozinha, precisava de ajuda para se vestir, teve de reaprender a falar, a cozinhar, estudava nos livros dos filhos e precisou treinar para fazer sua assinatura.
O passado com o marido também estava perdido. Ela não se lembrava do casamento e nem de ter feito sexo. "Soube que Hermes era meu marido porque dormia comigo. Quando ele quis fazer sexo, não sabia o que era, fiquei parada, e ele me ensinou tudo de novo."
A primeira lembrança ocorreu em uma conversa com sua mãe, um mês após o derrame. "Lembrei do dia que fiquei doente. Depois, comecei a ter flashs. Ainda fiquei dois anos sem poder fazer nada sozinha. Mas minha memória voltava aos poucos. No terceiro ano, achei que poderia voltar à faculdade."
Hoje, Ana Maria está aposentada e "completamente recuperada". "Posso fazer tudo sozinha, exceto dirigir, porque perdi grande parte da visão direita."

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