São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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Projeto Flexner brasileiro

ANTONIO CELSO NUNES NASSIF

No início deste século, mais precisamente em 1906, os EUA e o Canadá passavam por uma situação constrangedora no ensino médico. Tinham 160 faculdades de medicina, quase todas mal equipadas, sem currículo regulamentado, corpo docente fraco e carente.
A maioria comercializava o ensino médico, preocupada apenas com o lucro. Dezenas de milhares de médicos eram por elas diplomados anualmente, número bem acima do necessário, aliado a um impressionante percentual de profissionais despreparados.
Foi aí que se tomou uma decisão política para mudar radicalmente aquela situação.
Um educador e professor de grego chamado Abraham Flexner foi contratado pela Fundação Carnegie para efetuar um estudo sobre as escolas médicas da América do Norte.
Durante quatro anos, de 1906 a 1910, Flexner visitou cada uma das 160 escolas -todas, sem exceção- e elaborou um extenso e minucioso relatório. Suas posições e propostas foram seguidas à risca.
Até 1933, foram fechadas precisamente 94 escolas médicas. Para as remanescentes estipularam-se normas de funcionamento.
Estabeleceu-se também o "state board", até hoje existente, destinado a aferir a capacitação técnica do aluno após a graduação. A licença para a prática médica passou a ser concedida somente após a aprovação no "state board".
O ano de 1933 tornou-se um marco na reorganização do ensino médico na América do Norte. A partir daquele ano, os EUA e o Canadá passaram a ter apenas 66 faculdades de medicina, todas confiáveis e que formavam profissionais habilitados e em quantidade suficiente.
No Brasil, aconteceu exatamente o contrário.Em 1960, eram 29 escolas médicas, havendo passado a 73 em 1971. O ritmo foi particularmente acelerado a partir de 1965, tendo-se criado, desde então, 37 faculdades. O curioso aconteceu em 1968: foram criadas 13 escolas médicas, mais de uma por mês. Em 1992 chegávamos a 80 em todo o país. Hoje, temos quase 90.
No período de 1965 a 1972, o número de matrículas de primeiro ano em todas as escolas triplicava, passando de 3.000 para 9.000.
O resultado de tudo isso: faculdades de medicina criadas de afogadilho, sob critérios políticos, satisfazendo "status" municipais; professores numericamente insuficientes, muitos deles despreparados. A qualidade do ensino caiu vertiginosamente: os reflexos todos assistimos nos dias de hoje. A única saída, no momento, é aplicar com rigor a exigência de requisitos mínimos para a abertura de escolas propostas em 1989 pela Associação Médica Brasileira e, principalmente, usá-los também para avaliar as já existentes.

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