São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 1997
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Ivan Albright

ALESSANDRO GRECO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No centenário de seu nascimento, Ivan Albright é homenageado com a maior retrospectiva já feita sobre seu trabalho. É a exposição "Ivan Albright: A Magic Realism", em cartaz no Metropolitan Museum of Art de Nova York até o próximo dia 7 de setembro.
Embora esse nome possa parecer desconhecido à primeira vista, não há fã do filme cult "O Retrato de Dorian Gray", baseado em romance homônimo de Oscar Wilde, que não se lembre de Ivan Albright, ou melhor, da aterrorizante tela pintada por ele para a cena em que o protagonista do filme, Dorian Gray, entra no sótão e se depara com a sua própria imagem.
Feita sob encomenda para o filme, dirigido e escrito por Albert Lewin, a tela mostra a decadência física e moral de Dorian Gray, um jovem rico que pede a um amigo pintor que faça seu retrato e, quando este fica pronto, faz um pacto com o diabo, no qual pede que seu retrato envelheça e ele não, no que é prontamente atendido.
Essa pintura, além de ter transformado Ivan Albright em um pintor mundialmente famoso, mostra sua marca registrada -uma mistura de detalhismo com exacerbação da decrepitude humana-, presente também em outras de suas obras-primas, como "Room 203", "Into the World There Came a Soul Called Ida" e "Self-Portrait". Todas elas em exposição no Metropolitan.
Devido à repercussão alcançada pelo retrato, Albert Lewin convidou Ivan Albright a participar de um concurso internacional para a escolha de uma obra de arte que integraria seu novo filme: "The Private Affairs of Bel-Ami", baseado na novela homônima de Guy de Maupassant.
A oportunidade excitou Albright -conhecido por sua competitividade. Foram convidados somente 11 artistas, entre eles os surrealistas Salvador Dalí, Max Ernst e Paul Devaux, com a missão de produzir, no prazo de quatro meses, uma obra de arte tendo como tema a tentação de Santo Antônio.
Albright tinha um irmão gêmeo chamado Malvin, que era escultor, apesar de, como Ivan, conhecer a fundo artes plásticas em geral.
Desde pequenos, os gêmeos foram sempre inseparáveis, tendo estudado, vivido e trabalhado juntos durante quase meio século.
A ligação entre os dois era tão forte que, em um de seus primeiros trabalhos, fizeram o retrato um do outro.
O que deve ter gerado um enorme conflito interno para os dois porque, sendo gêmeos idênticos, quando olhavam um para o outro viam ao mesmo tempo um irmão e a si mesmo, ou seja a imagem projetada não era a de um simples indivíduo, mas de uma mistura de como eles enxergavam um ao outro e a si mesmos. Enfim, um trabalho de definição do eu.
O período da Primeira Guerra Mundial parece ter sido muito marcante para a vida e a obra de Ivan Albright, apesar de ele ter sempre afirmado que a única influência da guerra em sua vida e obra foi a admiração que passou a ter pelos aparelhos de raio X.
Uma afirmação contestável quando colocamos frente a frente dois fatos aparentemente isolados: uma declaração dada vários anos após a guerra, na qual diz ter encontrado uma mão humana dentro de um cesto de lixo durante a guerra; e a presença de uma misteriosa mão humana em duas de suas obras-primas -"The Door" e "The Mirror". Coincidência? Somente para aqueles que acreditam em duendes.
Em 1927, Albright gerou a primeira grande polêmica em torno de sua obra ao fazer o retrato de um operário da ferrovia norte-americana para uma revista.
A obra foi vista por leitores indignados com a figura que, segundo eles, denegria a imagem do operário da ferrovia com sua postura encurvada e seu olhar desesperançado, que não podia ser atribuído a um trabalhador de uma moderna companhia norte-americana.
A polêmica foi tanta que, no mês de junho daquele ano, o editor da publicação escreveu que a revista não se identificava com aquela imagem, e que não sabiam de onde Albright havia tirado inspiração para aquele retrato.
E para anular, definitivamente, qualquer efeito negativo que pudesse ser causado pelo retrato de Albright, os editores publicaram na capa da revista, no mês de agosto, a imagem de um operário, desta vez retratado como um homem alto e forte, com um rosto saudável.
A década de 30 foi tranquila para os irmãos Albright. Apesar do grande crash da bolsa de Nova York, os dois não tiveram problemas financeiros, muito devido ao fato de seu pai, Adam, um conhecido pintor, tê-los sustentado durante este período.
Apesar das inúmeras obras que produziram nesta época, Ivan e Malvin não foram capazes de vender nenhuma delas. Na verdade não pareciam muito interessados em fazê-lo, já que colocavam preços tão absurdamente altos que nem instituições nem colecionadores particulares conseguiam comprá-las.
Para se ter uma idéia, numa época em que, em Chicago, um artista pedia por uma tela a óleo entre US$ 300 e US$ 500, Ivan pedia entre US$ 8.500 e US$ 13.500.
Muitos anos depois, Josephine, futura mulher de Ivan, declarou que ele via suas obras como parte do seu ser e que, como não podia dizer que não queria vendê-las, colocava nelas preços exorbitantes.
Somado a isso, havia também a conhecida arrogância de Ivan, que certa vez disse que o único artista que podia ser comparado a ele era Albert Einstein.
Apesar de todo o seu talento natural, Ivan se negou, durante anos, a ser artista e somente aceitou a idéia depois de ter estudado e trabalhado com arquitetura, uma profissão considerada por ele muito "comercial".
Ivan Albright, além de ter sido pintor, foi também escultor e poeta, tendo escrito mais de 300 poemas. Um deles reflete sua visão da arte: "Sou um pintor/De todas as coisas/Um artista que vê/A porta e a cadeira/E vê em coisas lisas um defeito na superfície/E vê em coisas redondas um buraco (...)/No qual cores não são somente cores/São cada uma um sonho em meio a uma fantasia/O que torna o mundo irreal para ele/Para este homem, pintor".
Seu último trabalho foi um auto-retrato, feito quatro dias antes de sua morte, no qual aparecem somente seus olhos, como que vigiando o mundo ao seu redor.
E, em uma de suas últimas anotações, foi encontrada a frase: "A quantidade de vida que consigo transmitir por meio de meus olhos é a que consigo ver".

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