São Paulo, sábado, 30 de agosto de 1997
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"A Voz de Bergman" estronda no festival

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

"A Voz de Bergman" soou alta e forte ontem em Veneza. O diretor de "Morangos Silvestres" monopoliza o documentário rodado por Gunnar Bergdahl.
Durante quase uma hora e meia, um alegre e corado Ingmar Bergman depõe em close sobre a vida e o cinema. O filme tem aqui seu lançamento mundial e deve participar em outubro da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
A opção pelo close nasceu de uma entrevista (leia abaixo). Bergman reconhece a frustração de jamais ter podido rodar aquele que seria um de seus experimentos mais radicais: todo um filme apenas fixado no rosto de uma atriz. Ela seria Liv Ullmann. O roteiro, "A Human Affair" (Um Caso Humano). Ullmann não topou. O projeto de filme virou uma radionovela.
Bergdahl inspirou-se na deixa para estruturar "A Voz de Bergman". Nada mais há que a face do cineasta. Bergman não aparenta estar se tornando um octogenário. Exibe cavanhaque grisalho, camisa xadrez com colete. Em nenhum momento justifica a fama de sisudo que cristalizou.
O subtítulo logo explica que se trata de "uma conversa em oito atos", rodada num único dia de janeiro último. Bergdahl não recorreu a trechos de filmes para ilustrar as declarações. Limita-se, ao final do depoimento, em ilustrar com uma foto cada um dos títulos da filmografia bergmaniana.
A entrevista não segue a tradicional ordem cronológica. Bergman fala de improviso sobre temas genéricos. Sua obra é menos enfocada do que sua visão de mundo.
No primeiro capítulo, "A Palavra e a Imagem", o mestre sueco lembra que jamais parou de escrever, depois de ter redigido uma curta história precisamente em 15 de agosto de 1940.
Confessa ter preocupação literária, mas não deseja dedicar-se à literatura. Aplica-se até hoje, isto sim, em tornar os roteiros menos enfadonhos. Para Bergman, há duas fases na preparação de um roteiro. A primeira é de pesquisa e criação da trama. A segunda, da escrita propriamente dita. "A primeira fase é a realmente divertida", diz. "A escrita é tediosa."
"Não acredito no tempo. Não tem qualquer utilidade para nós", filosofa na abertura do segundo capítulo, "A Ilusão do Tempo".
Duas paixões se combinam na parte seguinte: "A Música do Close-Up". Bergman aplica uma fórmula de Stravinsky ("Música é ritmo essencial") para tratar de filmes, especialmente os da era muda. Destaca ainda o poder do close, que gostaria de ver mai bem explorado.
O novo cinema sueco é o tema de "Foco na Dor". "Vejo todos os novos filmes", afirma Bergman. De bom, diz ver "jovens que conhecem o ofício -foram criados pelo cinema". De mau, destaca um descolamento entre o apuro técnico e a falta de coragem de "botar o dedo na ferida".
Em "Farpas do Espelho", Bergman destoa da voz corrente e sai em defesa da crítica. "A crítica de cinema, como a de artes e a de literatura, está sofrendo forte pressão para simplificar. É terrível."
"Cinema em Faro" faz a crônica da sala de projeção com 20 lugares que Bergman instalou na ilha em que vive desde o final dos anos 60.
Lá o cineasta continua a se atualizar e a rever os clássicos, sobretudo suecos. Sua filmoteca particular já conta com 400 títulos.
Bergman faz a alegria dos cinéfilos nas duas partes finais. Em "A Insanidade do Filme", revela estupefação frente à resistência da magia do cinema a partir das mesmas bases nas quais o filme surgiu há cem anos.
Por fim, em "O Grande Mistério", elenca descompromissadamente os filmes que mais o marcaram. O clássico mudo sueco "A Carroça-Fantasma", de Victor Sjostrom, encabeça a lista, seguido, entre outros, por "Olhos Negros", de Nikita Mikhalkov, "As Férias do Senhor Hulot", de Jacques Tati, e "Andrei Rublev", de Tarkovski.
Por que gosta tanto deles? É exatamente este o grande mistério. "Se você realmente gosta, não sabe dizer o porquê, não é?", conclui. E assim falou Bergman.

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