São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Leia a fala do presidente Fernando Henrique Cardoso antes da entrevista

Leia a seguir o discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso:
"Eu pedi à assessoria de imprensa que organizasse este encontro, esta manhã, porque nós, hoje, dia 1º de setembro, há três anos e meio, lançamos a URV, exatamente. E também porque, na verdade, eu creio que as transformações ocorridas no Brasil, em função não apenas do Plano Real, mas da tomada de consciência do país, a respeito das questões fundamentais, que têm a ver com o nosso futuro. Isso permitiu uma profunda transformação do país.
De tal maneira que o mês de agosto que, normalmente, é o mês aqui, no Brasil, caracterizado por ser um mês perigoso, foi um dos meses mais tranquilos da nossa conjuntura nacional. Eu acho que isso é um fato que vale a pena salientar, porque mostra que nós já não vivemos mais na expectativa permanente de que as coisas não vão dar certo.
Eu não quero cansá-los, porque quero responder às perguntas que serão feitas. Mas, também, não quero deixar de aproveitar essa oportunidade de, por intermédio da mídia, me dirigir ao país para, rapidamente, dar substância ao que disse aqui: que as transformações são transformações consistentes e que mudaram, efetivamente, o padrão de comportamento dos brasileiros.
Não vou insistir sobre o que todo mundo já sabe: a questão relativa à inflação. Provavelmente, nós vamos ter agora, no mês de agosto, a Fipe, pela primeira vez na sua história, marcando uma deflação sem recessão, o que é uma coisa que faz sentido. Mas nós todos sabemos que isso aconteceu.
O mais importante, ou talvez tão importante quanto isso, é um fato -e aí eu peço que projetem um numerozinho- que está aí representado nesse gráfico, que é de que o valor da cesta básica, nestes três anos e meio, ou melhor, depois do Real, ele subiu 4,4%.
Somente a título de entusiasmar, eu até podia dizer que a cesta básica, no Brasil, tem uma estabilidade quase igual à do franco suíço. Quer dizer, a cesta básica é mais estável do que a moeda.
E o resultado está aí. Esse gráfico expressa muito bem que, enquanto o salário mínimo teve um aumento de 85%, passou de R$ 64,79 para R$ 120, a cesta básica teve um aumento de 4%. Isso significa o povo comendo, que é o que conta.
O que conta, num país como o nosso, é a população -sobretudo a população de mais baixa renda- vivendo melhor. Está bem? Não. É preciso querer mais. Mas está comendo mais. E os dados são esses, que mostram com clareza.
E, também, para mostrar o otimismo que eu acho que deve infundir-se na nossa população, acredito que há dados aí, relativos ao Produto Interno Bruto per capita, que mostra que, depois do real, houve um aumento de 95 do Produto Bruto per capita.
E isso tem que ser feito comparativamente. Porque, de 81 a 93 -portanto, em 12 anos-, caiu 5% o produto per capita. E nós, de 94 para cá, conseguimos recuperar e ultrapassar, porque houve um aumento real. Agora, tão significativo quanto esses dados assim mais gerais, é ver de que maneira está havendo a taxa acumulada de crescimento do Produto Interno Bruto, para afastar de vez as visões fantasmagóricas de que haveria recessão ou de que havia (...) de consumo.
Nesse gráfico que vocês estão olhando aí, verifica-se o seguinte: que na taxa acumulada em quatro trimestres, quer dizer, de 96 a 97, até julho de 97, o crescimento foi puxado pela lavoura, pela indústria de transformação, 6,79, pela indústria de construção, que dá 10,15, e que houve queda do setor financeiro. Todos os dados da economia brasileira, em termos de expansão, são positivos, menos num, nas finanças. Quem perdeu foi o setor financeiro, que encolheu. Encolheu porque estava, evidentemente, ultra-inchado com a questão da inflação e com o descontrole geral da nossa economia, ocasionado pela inflação.
Então isso é uma resposta tranquila para os que não percebem que nós estamos mudando o país, no sentido positivo, quer dizer, aumentando as forças produtivas, diminuindo o peso relativo do setor financeiro, melhorando a condição de vida dos mais pobres, garantindo o poder de compra deles. Mesmo naquele setor, que é o mais preocupante para todos nós e meu também, que é o do emprego, o que é que os dados mostram? De novo houve uma pequena queda, agora em julho baixou, outra vez, para o patamar de 5, entre 5 e 6, parece que é 5,97% da população economicamente ativa está na situação de desemprego. Isso não diminui a minha preocupação concreta com as situações específicas diárias, onde o fenômeno existe, mas imaginar que o Plano de Desenvolvimento Econômico do Brasil, que a estabilização foi feita à custa de desemprego, não é verdadeiro.
E quem repete isso é porque não tem argumento, porque os dados não confirmam e eu já disse outro dia, repito aqui, depende de uma ação coletiva nossa, a de fazer com que não exista uma repetição, no Brasil, da mesma situação que existe em alguns países europeus e, mesmo da América Latina onde, efetivamente, tem havido um problema sério de desemprego. Ao invés de olhar para esses países, melhor olhar para os Estados Unidos, para o Japão, para os países onde isso não ocorre e ver por que é que isso não ocorre, e tratar de repetir aqui, ou de inovar aqui, na direção de que isso não ocorra.
Bem, de tudo isso também eu queria ressaltar, ainda que rapidamente, que houve um forte empenho do governo -e esta tarde eu tenho uma reunião do ministério, para mostrar o Orçamento do ano que vem-, um forte empenho do governo para obter uma política de controle do gasto público. Podem ver aí por esse gráfico que a necessidade de financiamento do setor público, em termos do seu resultado operacional, vem decrescendo seguidamente, e estamos, agora, mais ou menos por volta de 3% do PIB. Ou seja, as transformações estão se operando, nós estamos mantendo a atividade econômica, nós estamos mantendo uma política social ativa para permitir que, efetivamente, as populações de baixa renda sejam beneficiadas com esse processo. E nós não estamos descontrolando os gastos públicos.
E os que olharam, e alguns devem ter olhado, a proposta orçamentária do ano que vem, verificarão que lá existe um esforço muito grande para fazer aquilo que sempre foi o desejo dos que querem consertar este país, ou seja, que o orçamento se aproxime da realidade, e que o Ministério da Fazenda, o presidente da República, não seja obrigado a contingenciar, ou seja, o Congresso aprova alguma coisa que depois nós bloqueamos porque não há recursos. Eu espero que o Congresso, que tem cooperado, coopere uma vez mais e não altere esse propósito, que é um propósito nacional, quer dizer, o Orçamento que lá está é um Orçamento realista. Não se trata de um Orçamento para depois ser desfigurado em função do contingenciamento. Do ponto de vista da administração, é uma mudança radical, porque permite que o administrador público possa ter uma visão mais clara dos recursos com que ele vai contar, ele possa, nesse sentido, até economizar.
Eu não quero deixar aqui, brevemente também, de mencionar uma outra questão que tem sido objeto de muito debate, que é a questão das importações. Aí há um gráfico onde vocês vão ver também que, de alguma maneira, a participação das importações no PIB teve uma certa redução a partir do primeiro trimestre de 97. Isso porque houve também um deslocamento da demanda, por uma razão muito simples: é que nós, agora, estamos, como mostrei já, no outro gráfico, fazendo um esforço grande para que outros setores que não os setores de bens de consumo durável sejam setores que estejam puxando a economia. A construção civil, notadamente, que é um exemplo claro e que, quando ela cresce a 10%, cresce o PIB, e a construção civil não demanda importações. Então, há uma certa estabilização proporcional ao PIB, a das importações.
E também é preciso ver que as exportações sofreram uma modificação importante. Outro gráfico, rapidamente, aí, vai mostrar que é fácil de ver que houve uma recuperação. Esses dados são calculados pela Funcex, que não é do governo. É uma fundação de exportação. E mostra que houve uma retomada, sobretudo por causa dos produtos básicos -café e soja. Mas eu vou mostrar que não foi só isso e que, nessa retomada de ímpeto de exportação, podem ver como cresceu. Aquilo que está ali em vermelho diz respeito ao quantum, quer dizer, quantidade física de exportação e também os preços. Não houve apenas um aumento de preço relativo, porque nos produtos agrícolas houve. Mas não foi isso que explicou, sozinho, a expansão das exportações. Houve um crescimento firme também na exportação física.
E mais, o que é bem interessante, podem ver no outro gráfico, no anterior. Podem ver nesse outro gráfico que houve também um crescimento dos produtos manufaturados. E, sobretudo nesse caso, importa ver o gráfico em vermelho, que é a quantidade. O preço também aumentou. Mas aumentou a quantidade de produtos manufaturados, isso é, calçados, automóveis, veículos de cargas, cigarro, açúcar refinado, aviões. Quer dizer, nós diversificamos a nossa pauta de exportações. E os produtos que têm o maior valor agregado, os manufaturados estão, portanto, crescendo também.
Ora, não quero mais cansá-los com números dessa natureza, mas tudo isso, então, está mostrando que houve uma forte transformação na economia e que essa transformação implica, é claro, aceitar o desafio da globalização, da abertura, estabilização, privatização. Não vou repetir dados de todos conhecidos do que aconteceu no setor de ferro, do que está acontecendo em outros setores importantes, não só de minérios, mas agora também nos Estados, sobretudo na parte de energia elétrica, que vai acontecer também no sistema federal.
Tudo isso está mostrando que há um dinamismo. E os que viam fantasmas da recessão, está visto que há quatro anos nós temos crescimento; da concentração de renda, está vendo que é o contrário o que está acontecendo, embora seja necessário muito mais esforço, porque a renda do Brasil é secularmente concentrada e o principal instrumento para desconcentração de renda, no mundo moderno, é a educação. E, depois, num momento adequado, se falará sobre isso. É um processo que toma tempo, mas o governo está com uma forte orientação nesse sentido. Portanto, o governo tem a absoluta consciência e o esforço para desconcentrar a renda. Por mais difícil que isso seja, é nosso objetivo.
Mas esses dados mostram também que a famosa desindustrialização não ocorreu, não há desindustrialização. Há, pelo contrário, a retomada dos setores de bens de capital. Devo dizer, por exemplo, que, neste momento, o presidente do BNDES está na China, assinando um contrato, porque nós ganhamos uma concorrência para produzir máquinas para a geração de energia na usina de Três Gargantas, na China. E cerca de USŸ 300 milhões vão ser fabricados aqui, no Brasil. Da China, só para dar um exemplo, entre os muitos que há, de uma retomada forte nesses setores, que são setores vitais, da mesma maneira como existe toda uma preocupação do governo no sentido de que, antigamente, se chamava de uma política industrial. Só que essa política industrial não diz respeito, como no passado, a subsídios e fechar o mercado, aumentar o conteúdo tecnológico e financiamento. Os senhores viram que ontem mesmo, a TJLP, que é a taxa básica de financiamento do BNDES, caiu para menos de 10%, nove e alguma coisa por cento.
A taxa de juros está caindo, sobretudo para aqueles setores que são setores exportadores e convém que se façam mudanças tecnológicas fortes. Bem, enfim, além disso, como há um grande esforço na questão do custo Brasil, cujos efeitos começam a se fazer sentir. E se fazem sentir não só no que diz respeito, digamos, ao produto, ao barateamento do produto para competir lá fora. Mas como aumenta a atividade econômica, aumenta também a capacidade de aumentar a mais dos próprios Estados terem recursos fiscais.
Recebi uma informação de que com, a introdução da hidrovia Madeira-Amazonas, em Rondônia, o ICMS está tendo um crescimento significativo, o registro do ICMS. Enfim, nós estamos realmente preparando o Brasil para uma fase de crescimento sustentado. Ontem eu li, com muito agrado, uma entrevista do professor Albert Fishlow onde ele diz isso. Ele diz que aqui há muito tempo que não se via esse país com crescimento há quatro anos, um crescimento sustentado, e verifica que existe um horizonte de continuidade desse processo, que o governo está atendo às necessidades de ação naquilo é fundamental.
É claro que a consequência está aí também, e que o investimento está crescendo, está crescendo a taxa de poupança da economia. Investimento direto, também tem esse gráfico que mostra isso, e já é sabido só no primeiro semestre de 97 quase USŸ 14 bilhões, comparando com o ano passado, no ano todo, quase dez. Só metade do ano é mais do que o ano todo, do ano passado.
Não basta isso, porque existe um esforço grande de investimento, de formação de capital doméstico. E para isso nós temos tomado medidas, medidas na questão de companhias de seguros, na questão relativa às formas de previdência privada, enfim, uma série de medidas que são essenciais. Disso tudo, tem portanto ocorrido uma mudança na estrutura do que está acontecendo na economia, e na sociedade brasileira.
Esse gráfico que aí está mostra que o impulso grande do material eletroeletrônico chegou a um certo patamar elevado, elevado. Mas, evidentemente não se vai poder crescer 20%, 30% por ano, porque isso causaria problemas mais complicados de importação e isso significa que está se chegando a uma mudança naqueles fatores, como eu já disse aqui, que impulsionam o crescimento. E, se forem ver nesse outro gráfico, os bens de capital, vejam o gráfico em vermelho, que é o deste ano: mostra um crescimento acelerado da demanda da produção de bens de capital. E, se quiserem dar corpo ao que eu disse sobre a questão de construção civil, esses são os dados da oferta de imóveis na região metropolitana de São Paulo. As consequências disso são também conhecidas, e vocês já viram que diz respeito ao processo de queda do índice de inflação, porque os serviços agora começam a convergir com preços dos produtos industrializados. Isso não acontece por acaso. Isso acontece, repito, porque a sociedade brasileira entendeu do que se tratava, do mal que era a inflação. Passou a crer mais nela própria, entendeu que o bem-estar social depende de uma política contínua de crescimento, e o governo está atento a todas essas questões.
Para não perder o hábito, quero me referir, ainda, ao seguinte: isso não dispensa as reformas. Isso não dispensa as reformas, porque aqueles que vêem o Orçamento percebem, eu não vou repetir, porque não é necessário, que nós precisamos de uma reforma da Previdência, de uma reforma administrativa. Eu faço mais um apelo ao Congresso para que faça as reformas. Eu acho, e disse já em inúmeras ocasiões: chegou o momento de os brasileiros agirem pensando no Brasil. Não pensando em interesses de a, b ou de c. Ou de grupos, por mais legítimos que sejam esses interesses. Nós precisamos desatar o nó que existe. Ainda daqui a pouco me referirei à Previdência, mas as reformas continuam sendo indispensáveis. E queria lhes dizer o seguinte: elas continuam tendo apoio da população. Eu vou me permitir mostrar a vocês só alguns pequenos gráficos: reforma administrativa, amostra nacional de 3 mil casos, 68% a favor, 11% contra, reforma administrativa. Reforma da Previdência, 68% a favor e 15% contra.
Então, é uma questão de explicar ao país. O povo, no Brasil, tem noção das coisas. É explicar que o que se está querendo é, realmente, viabilizar uma economia mais dinâmica, uma sociedade melhor, e não é perseguir ninguém. É, simplesmente, evitar os abusos, evitar que haja acumulações indevidas etc. E a população entende, apóia.
E os que, por razões eleitoreiras, têm medo de fazer as reformas, vão se arrepender, porque o resultado não será, eleitoralmente, da forma como eles imaginam, porque a população sabe que o que vale, hoje em dia, é ser claro, é ser honesto, é defender com empenho aquilo em que se acredita, e é explicar o por quê.
Isso não quer dizer que a população adira a qualquer explicação. Mas se ela entende, ela entendendo, e vendo que o objetivo é correto, é para o país, é para o povo, apóia.
Bem, também não vou me referir a matérias que têm sido referidas, muito recentemente, da infra-estrutura física, da questão do "Brasil em Ação". O que eu devo dizer é que é um programa que está no meu programa de campanha, lá de trás, do "Mãos à Obra", que foi equacionado no primeiro Plano Plurianual, feito pelo ministro José Serra. E que teve a forma de "Brasil em Ação", alguns projetos, pelo ministro Kandir, e que não têm nada a ver com eleição.
Vocês podem continuar escrevendo -sei que vão continuar- que é o carro-chefe da campanha eleitoral. Ótimo! Porque, se eu vier a ser candidato, terei que dizer: "É, realmente, a minha campanha é pelo Brasil". Porque isso aí é fundamental para o Brasil. É campanha pelo Brasil.
Na medida em que acharem que isso é eleitoral e que o beneficiário sou eu, eu digo: "Não, o beneficiário é o Brasil, seja eu candidato ou não seja candidato". E isso vai seguir. E está tendo um avanço grande. Eu não vou repetir, porque há muitas oportunidades em que se fale disso.
Eu queria apenas, para terminar, me referir à duas questões. Não vou falar sobre educação. Teremos muitas oportunidades de voltar a esse tema, ainda em outubro, em que temos o Dia do Professor. E nós vamos voltar à questão da educação. Eu já disse, em mais de uma oportunidade, que nós temos que aceitar os grandes desafios da educação. O Brasil, hoje, e o governo, começam a ter condições papara, realmente, enfrentar com muito mais galhardia a questão do desafio educacional. Voltarei a isso, oportunamente.
Também não vou falar sobre habitação, que é matéria que tem sido discutida. E vocês estão vendo o começo do renascimento da indústria de construção, e da possibilidade de ter habitações um pouco melhores. Não vou falar de saneamento. Tampouco de agricultura, de que já falamos muitas vezes. Nem de geração de emprego.

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