São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Covas cobra promessa do presidente

SP quer ressarcimento de perdas

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O governador de São Paulo, Mário Covas, está em pé de guerra com o presidente Fernando Henrique Cardoso em razão das perdas de receita do Estado decorrentes da aplicação da Lei Kandir.
Segundo Covas, FHC assumiu um compromisso com os governadores que não foi cumprido: o de o governo federal compensar integralmente os Estados pela perda na arrecadação do ICMS decorrente das isenções previstas na lei.
Sancionada em setembro de 96, a lei desonera do ICMS as exportações e os investimentos em bens de capital. Em contrapartida, prevê compensações para os Estados.
Covas afirma que é favorável à desoneração. Mas exige o cumprimento do que teria sido prometido pelo presidente. "Não estou atrás de me darem coisa que não deveriam me dar. Eu estou atrás de um compromisso que foi assumido e com o qual eu concordei."
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Folha - Qual o impacto da Lei Kandir nas finanças do Estado?
Covas - A Lei Kandir é boa para a economia nacional, mas ruim para as finanças do Estado. A isenção do ICMS nas exportações e na compra de bens de capital, no nosso Estado, equivale a 4,65% da receita do ICMS. Isso representa R$ 800 milhões neste ano, se for considerada só a parte do Estado (os municípios recebem 25% da arrecadação do ICMS).
Folha - Como foi a discussão em torno da lei?
Covas - No primeiro ano de governo nós tivemos uma reunião com o presidente da República à qual vários governadores estiveram presentes. Um dos temas discutidos foi isenção do ICMS nas exportações.
Nós ouvimos do presidente que isso seria adotado mediante uma equação de soma zero: ninguém perde e ninguém ganha. Durante cinco anos o governo federal iria recompor, com diminuição sucessiva, aquilo que o Estado perdesse.
Com o pressuposto de que ao longo do tempo a economia cresceria e o Estado seria ressarcido do ICMS perdido. Diante disso, eu, que sou favorável à medida sob o ponto de vista nacional, a defendi.
A mesma coisa voltou a se repetir um ano depois em Brasília, com os governadores presentes e o presidente da República. Novamente o presidente disse que os Estados não perderiam.
Folha - O ministro Antonio Kandir (Planejamento) sustenta que o governo nunca prometeu que os Estados seriam compensados integralmente pelas perdas.
Covas - É que eu não estou pegando compromisso do Kandir. Eu estou pegando compromisso do presidente da República, que, eu suponho, foi quem nomeou o Kandir e está acima dele.
Folha - Mas o texto da lei não prevê a compensação integral. Os governadores foram enganados?
Covas - Não foram enganados. Eu quero a efetivação daquilo que me foi comprometido. Isto é, que nós não teríamos prejuízo.
Folha - Que foi o prometido pelo presidente da República?
Covas - Que foi. Nas duas oportunidades em que eu participei de reuniões sobre o assunto, com todos os governadores e o presidente da República, o compromisso era esse. Em seguida, vem a lei e o Ministério do Planejamento fixa uma fórmula que é mais um seguro do que um ressarcimento.
Folha - Na prática, quem tem aumento de arrecadação acaba não tendo ressarcimento?
Covas - Se você tem um bom serviço na sua Fazenda, você toma na cabeça. Se você combate mais a sonegação, você toma na cabeça.
Mas eu não quero saber se toma na cabeça ou não. Eu sei que no ano passado eu arrecadei 4,65% de ICMS disso. E, portanto, eu quero os meus 4,65% neste ano.
Eu quero o compromisso que se assumiu comigo. Não estou atrás de me darem coisa que não deveriam me dar. Eu estou atrás de um compromisso que foi assumido e com o qual eu concordei.
Folha - Qual o impacto dessa lei na véspera de um ano eleitoral?
Covas - Mas espera um pouquinho! Eu só posso reclamar da lei depois que ela existe. Não posso reclamar antes. A idéia de associar isso com a véspera do ano eleitoral é forçar um pouco a barra. Se fosse no primeiro ano, eu berrava mais ainda, porque faria mais diferença.
Folha - O sr. conversou com o presidente sobre esse assunto?
Covas - Eu entreguei uma carta para o presidente em maio. Ele encaminhou isso para a área respectiva. O ministro (Kandir) esteve aqui em São Paulo junto com alguns técnicos muito simpáticos para explicar de que maneira a gente perde dinheiro e deve ficar calado. Mas não me convenceu.
Folha - O que o sr. dizia na carta?
Covas - Eu expus o que tinha acontecido com São Paulo. E o que era o nosso entendimento -imagino que dele e meu- sobre essa equação. Se depois se aprovou uma lei, se depois se inventou uma fórmula pela qual eu não tenho ressarcimento, eu estou inteiramente em desacordo com isso.
Folha - Que atitude o sr. pretende tomar?
Covas - Eu pretendo sustentar perante o presidente da República -e creio que não vou fazer isso sozinho- que na nossa avaliação o compromisso era aquele. Não nos foi apresentada uma lei. Foi apresentada uma tese.
Folha - O primeiro caminho é a negociação com o presidente?
Covas - Eu acho que sim. Eu entreguei a ele uma carta em maio. Dele, eu ainda não recebi nenhuma resposta.
Folha - O sr. se considera traído pelo presidente?
Covas - Não, não posso dizer que me sinto traído. Isso é uma demasia. O presidente exercita essas atividades por interpostas pessoas. Folha - O sr. pretende liderar um movimento de governadores para negociar com o presidente?
Covas - Os governadores não precisam de liderança, mas acredito que faremos isso em conjunto.

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