São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Especialistas querem reduzir cesarianas

LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil é um dos recordistas mundiais em número de cesarianas. Nos últimos dois anos, a cirurgia foi aplicada em 32% dos partos, mais do que o dobro do que era utilizada até o início da década de 70 no país.
O que fazer para reduzir esse boom de cesarianas no país foi a principal questão discutida no debate "Cesarianas no Brasil e a Saúde da Mulher", realizado na Folha no último dia 14.
Críticas
Os cinco especialistas que participaram do debate criticaram o uso "abusivo e prejudicial para a saúde pública" da cirurgia no país.
"Há uma cultura favorável à cesariana. Temos que desmistificar essa cultura. Para isso, é preciso mobilizar a classe médica", disse a coordenadora da área da saúde da mulher da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, Tania Lago.
A responsabilidade dos médicos no crescimento das cesarianas foi lembrada também pelo secretário-executivo da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia, Jakob Arkader.
"A gente sabe que, em muitos casos, o comportamento dos profissionais não é ético e é até marginal", afirmou.
As causas
A "cultura da cesariana" surgiu, segundo os debatedores, por três fatores básicos. O primeiro é o fato de a cirurgia ter elevado, no início dos anos 70, o repasse feito pelo SUS (Sistema Único de Saúde) aos hospitais públicos. Isso ocorre porque, pela tabela do SUS, a operação custa mais do que um parto normal. Para aumentar o orçamento, muitos médicos fariam -mesmo sem necessidade- a indicação da cirurgia.
O segundo fator foi a combinação de laqueaduras com cesarianas nos últimos anos no país. Isso ocorreu porque, na hora do parto, a esterilização feminina é mais fácil de ser realizada. "Pesquisas mostram que 45% das mulheres dos 15 aos 49 anos foram esterilizadas. A ligação entre as duas é muito grande", disse Arkader.
A ex-senadora Eva Blay acrescentou. "Os relatos mostram que as mulheres querem fazer laqueadura. Muitas pediam que isso fosse feito no parto. Chegavam a pagar por fora para os médicos."
Por fim, há ainda o fato de o sistema público de saúde não pagar o uso de anestesia de parto normal. "Ser mãe é alegria. Criou-se uma ideologia que a maternidade é sofrimento, mas as mulheres não querem sofrer", disse a ex-senadora, que é autora de um projeto sobre planejamento familiar.
As consequências
Uma das consequências da realização desnecessária de uma cesariana é o aumento da taxa de prematuridade dos bebês, segundo explicou a professora de neonatologia da Faculdade de Medicina da USP e chefe do berçário anexo da maternidade do Hospital das Clínicas, Cléa Rodrigues Leone. "Há várias complicações causadas por essa distorção", disse.
Todos, no entanto, concordaram que é possível reduzir o número desse tipo de cirurgia. "Ouço sempre dizer que somos os campeões de cesariana. Por isso, achei que o debate poderia ser o primeiro passo nesse caminho", disse Haino Burmester, diretor do Programa de Estudos Avançados em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde.
"Acho que é possível fazer a taxa da cesariana parar de crescer. Temos que pensar como enfrentar essa crise ética", disse Tania Lago.
Arkader concordou e disse que pretende promover discussões sobre o tema na federação.

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