São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Voto, bancos e dinheiro público

ANDRÉ LARA RESENDE

"Meu voto ele não terá; os pobres continuam pobres e o dinheiro vai para banqueiro." A observação é de uma senhora, prima de minha mãe, mulher inteligente e informada. Quanto aos pobres, há que se reconhecer que ela tem razão: continuam pobres. Se tão antiga e complexa questão tivesse sido resolvida em menos de três anos, estaríamos diante de um milagre. O que nos leva a cobrar milagres dos governantes é tema para análise mais cuidadosa. Restrinjo-me à questão do dinheiro para banqueiro.
É impressionante a força que adquire, de tanto ser repetida, uma afirmação rigorosamente falsa. Aqui mesmo, tratei do tema inúmeras vezes. Não tenho a pretensão de imaginar que isso viesse a fazer grande diferença. Observo apenas que mesmo os que parecem compreender o argumento no momento seguinte agarram-se à suas velhas convicções.
O caso da vez é o Bamerindus. Trata-se do último, no sentido do mais recente, e, esperemos, também do derradeiro, dos casos dos grandes bancos quebrados que foram desmascarados pelo fim da inflação. Repito -que jeito- a argumentação. Quando um banco quebra, há duas alternativas: ou o prejuízo é assumido pelos seus credores, isto é, os depositantes, ou alguém assume a responsabilidade de ressarci-los.
Sem aprofundar no mérito da questão, a decisão de pagar aos depositantes tem a seu favor inúmeros argumentos. Quanto maior o banco e maiores suas ramificações na economia, infelizmente, mais fortes são os argumentos a favor de que o governo ponha dinheiro para cobrir o rombo. O essencial e, parece, dificílimo de ser compreendido é que os recursos públicos estão sendo usados para pagar os depositantes e não para reforçar o bolso dos banqueiros quebrados.
É obrigação do Banco Central minimizar os custos envolvidos. Estancar o mais rápido possível a sangria dos prejuízos, destituir os diretores e os controladores e encontrar quem queira, e tenha competência, assumir o que ainda resta de bom e saudável no grupo sob intervenção é sempre o melhor caminho.
Trata-se, infelizmente, de um processo complexo e, quase sempre, demorado. O caso do Bamerindus não foi diferente. A solução, entretanto, parece ter sido, no frigir dos ovos, bem encaminhada. Encontrou-se um grande grupo financeiro, forte e competente, que assumiu as operações, trouxe recursos novos para capitalizá-las e pagou pelo que se convencionou chamar de "fundo de comércio". Quanto vale o "fundo de comércio" de um banco quebrado é uma questão difícil. O HSBC pagou perto de R$ 400 milhões.
Pouco? Uma avaliação objetiva é praticamente impossível e, na verdade, menos importante do que parece. Há muito mais a ganhar ou a perder para os cofres públicos na velocidade do estancamento da sangria e na competente operação do banco a partir da transferência do seu controle. Inúmeras dúvidas, entretanto, foram levantadas na imprensa quanto à propriedade do valor pago.
A "Veja" desta semana chamou a nota do presidente do Banco Central sobre o assunto de "ridícula e incompreensível". Não li a nota, mas o artigo de Gustavo Franco na Folha de domingo passado é a mais clara análise na imprensa das questões envolvidas na venda de um banco quebrado e, de longe, a melhor explicação sobre o ocorrido na venda do Bamerindus. Vote como bem entender, mas procure ler o artigo do presidente do BC.

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