São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997 |
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Saúde, bem indisponível e inegociável
EURÍPEDES B. CARVALHO Está em discussão, em comissão especial na Câmara dos Deputados, a regulamentação dos planos e seguros privados de saúde.Entendemos como inaceitáveis as propostas do governo federal e das operadoras dos planos e seguros-saúde, atualmente em discussão na comissão e contempladas pelo substitutivo do relator, deputado Pinheiro Landim, uma vez que: 1) A normatização e a regulação dessas atividades são delegadas ao Ministério da Fazenda, que não possui nenhuma competência técnica ou legal sobre saúde. 2) Coerente com a política de globalização acrítica patrocinada pelo governo federal, o projeto submete-se à pressão do governo norte-americano e abre esse setor econômico ao capital estrangeiro, ao arrepio do artigo 199 da Constituição brasileira. 3) O setor recebe um subsídio de R$ 4,2 bilhões do governo federal (valores de 92/93, fornecidos pela Secretaria da Receita Federal) que beneficiará investidores estrangeiros sem que se garanta o acesso à saúde ao conjunto dos brasileiros, direito assegurado pelo artigo 196 da Constituição. 4) Inscrevem-se na lei o credenciamento para planos de saúde e o referenciamento para os seguros-saúde, formas de contrato leoninas, nas quais apenas os planos e seguros têm direitos, não os tendo os usuários, os médicos e os demais profissionais de saúde; estes têm apenas obrigações, que, na prática, equiparam sua condição de profissional liberal à dos assalariados. Isso afronta o direito constitucional ao livre exercício profissional. 5) No Ministério da Fazenda, o órgão regulador será o Conselho Nacional de Seguros Privados, formado por representantes do governo e das empresas de planos e seguros-saúde. Ou seja, não há independência para regular o setor. 6) O ministro da Fazenda, ou seu representante no Conselho Nacional de Seguros Privados, terá voto de qualidade e poderá deliberar "ad referendum". 7) São legalizadas as exclusões para tratamentos, serviços e doenças preexistentes. 8) É legalizada a limitação para internações hospitalares e em unidade de tratamento intensivo. 9) É legalizada a existência de carências. 10) É legalizado o aumento das prestações dos planos por incrementos de idade. 11) É excluído o fornecimento de próteses e tratamento odontológico. 12) É excluído o fornecimento de medicamentos importados e para atendimento ambulatorial, comumente usados no tratamento da Aids. 13) As empresas de planos e seguros-saúde não têm a obrigação social de atender seus usuários em casos de epidemias ou calamidades públicas. 14) A responsabilidade das empresas para com os procedimentos de alta complexidade e altos custos, como hemodiálise, transfusões sanguíneas e outros, que equivalem a pelo menos 40% dos gastos do SUS (Sistema Único de Saúde) com assistência à saúde, será definida pelo Conselho Nacional de Saúde Privada, constituído pelas próprias empresas. 15) Para finalizar, permite-se a venda de leitos e serviços públicos do SUS às empresas de planos e seguros. Atualmente, o SUS não consegue atender o conjunto da população. Isso restringirá ainda mais o acesso a ele. Portanto, mais uma vez, observa-se a prática cultural da promiscuidade na relação do Estado com setores econômicos, na qual o risco e o prejuízo são públicos e ao setor privado são garantidos os lucros. A realidade brasileira e a importância econômica e social dos planos e dos seguros-saúde impõem a necessidade de sua regulamentação. Porém essa regulamentação deve ter como objetivo fundamental preservar o direito à saúde como bem indisponível do ser humano. Nesse sentido, os usuários dos planos devem ter garantidos seus direitos de cidadãos e de consumidores. Como representantes dos médicos, exigimos respeito ao artigo 5º, item 13 da Constituição, que assegura a liberdade para o exercício profissional como direito individual dos médicos. Assim, defendemos as seguintes propostas: 1) Que o ministério normatizador e regulador seja o da Saúde, pois essa é uma questão de saúde pública, que interessa a 40 milhões de pessoas e repercute sobre os demais brasileiros. 2) Que não haja exclusões de doenças, exames e métodos terapêuticos. 3) Que se assegure a livre escolha dos médicos e demais profissionais pelos usuários. 4) Que não haja carências. 5) Que não haja limites para internações. 6) Que não haja exclusão por doenças preexistentes. 7) Que se possibilite o ressarcimento, pelos planos e seguros-saúde, do atendimento feito pelo SUS aos usuários desses planos e seguros. Eurípedes Baisanufo Carvalho, 44, médico, é presidente da Federação Nacional dos Médicos. Texto Anterior: Voto, bancos e dinheiro público Próximo Texto: Carta de uma mãe de família Índice |
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