São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 1997
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Privatizações podem adiar ajuste fiscal

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

A receita de US$ 25 bilhões com as privatizações prevista para este ano vai dar ao presidente Fernando Henrique Cardoso tempo para adiar o ajuste fiscal (adequação dos gastos públicos à receita pública) para o período posterior à eleição de 1998.
Essa é a principal conclusão da última análise sobre a economia brasileira feita pelo conceituado banco de investimento norte-americano Goldman Sachs, intitulada "Brasil - Venda de ativos para adiar o ajuste fiscal".
A análise dá a entender que o dinheiro da privatização atuará como uma espécie de "cabo eleitoral" de FHC, permitindo que o governo deixe para adotar depois de outubro do ano que vem medidas severas, tais como corte de gastos, as quais poderiam afetar o apoio à reeleição do presidente.
O estudo é de autoria de Paulo Leme, 41, do Goldman Sachs, onde é vice-presidente e diretor do departamento de pesquisas sobre mercados emergentes. Leme diz que o programa de estabilização implementado pelo governo FHC tem tido um sucesso "notável" na redução da inflação.
Entretanto, contrapõe, o progresso das iniciativas governamentais com relação ao ajuste fiscal tem sido "decepcionante".
Sem avanço no ajuste fiscal, o governo deu à taxa de câmbio sobrevalorizada a missão de alcançar seu principal objetivo na política interna: reduzir a inflação.
Essa estratégia econômica tem altos custos, diz o estudo da Goldman Sachs: a taxa de crescimento do PIB permanecerá em níveis baixos, e o país, cada vez mais dependente de financiamentos externos.
Além disso, a equipe econômica perdeu algum grau de liberdade na sua capacidade de defender a moeda contra choques externos.
Leme diz que o primeiro recurso do governo para fazer frente a um ataque especulativo contra o real, nos moldes dos ataques recentes contra a moeda tailandesa e a de outros países asiáticos, será o uso imediato de até 20% das reservas cambiais, hoje de US$ 65 bilhões.
O governo terá de recorrer a essa estratégia, diz Leme, porque a capacidade de o Banco Central aumentar a taxa de juros diminuiu: juros mais elevados agravam o déficit fiscal, uma vez que o estoque da dívida pública interna aumentou acentuadamente desde 1994.
"Taxas de juros mais altas reduziriam ainda mais o crescimento e prejudicariam a consolidação, até agora bem-sucedida, do sistema bancário", diz.
O estudo afirma que, consciente dessas limitações, a equipe econômica lançou o maior programa de privatizações entre os países emergentes, dando credibilidade ao Real e obtendo um grande volume de financiamento externo.
"Isso permite que o governo ganhe tempo politicamente até que possa implementar o ajuste fiscal, que já está muito atrasado, em 99."
Com a inflação em declínio e o ingresso de dinheiro das privatizações, o governo FHC tem um horizonte sem turbulência a caminho de sua reeleição em 98, avalia.
Há, porém, alerta Leme, três fatores que podem mudar esse cenário, agravando o desequilíbrio fiscal, com risco inflacionário antes das eleições do próximo ano.
São eles: aumento de salários do funcionalismo público e de investimentos sociais acima da previsão orçamentária, causando um déficit fiscal primário em 98; afrouxamento da política monetária para acelerar o crescimento do PIB em 98; e a redução da velocidade das privatizações, com o uso de sua receita em despesas correntes, e não na redução da dívida interna.

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