São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 1997
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Depois do México, a Tailândia...

JORGE MATTOSO

O FMI e o Japão mobilizaram vários países para tentar apagar o fogo de mais uma crise financeira, cujo epicentro, desta vez, encontrou-se na Tailândia e em outros países asiáticos. Tal qual a anterior crise mexicana, esta atacou países até há pouco tidos como exemplares e capazes de repetidos gestos de "credibilidade" diante dos credores e do sistema financeiro internacional.
Como o México, a Tailândia e outros países vizinhos também cumpriram com zelo as lições de casa. Liberalizado o mercado financeiro e com sua moeda nacional (o baht) colada ao dólar, a economia tailandesa beneficiou-se, desde 1985, da queda do valor da moeda norte-americana vis-à-vis o iene. Tornou-se a meca dos investimentos, sobretudo japoneses, e do crescimento baseado no incremento das exportações. Nos últimos dez anos, a Tailândia cresceu, em média, 8% ao ano, e as exportações, só em 1995, aumentaram 23% em volume. Foi dessa forma que a economia tailandesa manteve a estabilidade e reforçou sua "competitividade" perante o Japão e a Europa.
No entanto, pouco tempo depois de admitida no clube das nações emergentes e de serem reconhecidos seus esforços pelos agentes financeiros internacionais, iniciou-se sua queda. Bastou a reversão do movimento de desvalorização do dólar a partir de 1995 (inicialmente em face do iene) para que as suas debilidades aparecessem à luz do dia: em um país de base econômica exportadora, despencaram as exportações (-0,2% em 1996). A recente valorização da moeda norte-americana em relação às principais moedas européias acentuou a crise na Tailândia e em outros países da região: estagnação econômica, fuga de capitais, recuo pronunciado das Bolsas de Valores e forte desvalorização da moeda.
O discurso liberal, sobre a base de um monetarismo ultrapassado, continua a veicular que o regime de câmbio flutuante é capaz de favorecer os grandes equilíbrios macroeconômicos e que a especulação sobre as moedas é estabilizadora. No entanto, crescentemente, a forte instabilidade do câmbio tem sido apontada como alimentadora da especulação, dos elevados juros e do baixo crescimento econômico nos países avançados, mesmo entre aqueles países líderes regionais e capazes de, por sua força econômica e elevada competitividade, buscar mecanismos de alguma contraposição à instabilidade cambial.
Em contrapartida, nas economias subdesenvolvidas, a liberalização financeira e a ausência de medidas protetoras em meio à forte instabilidade cambial hoje reinante na economia internacional têm sido claramente desestabilizadoras e geradoras de maiores dificuldades para seu posicionamento diante de choques externos. Não sem razão, países que, em nome da globalização, abriram mão de políticas nacionais e ampliaram a liberalização dos mercados financeiros vêem crescer sua vulnerabilidade externa e tremem "como vara verde" a cada nova crise financeira.
Só os Estados Unidos têm sido capazes (dado o papel do dólar como moeda internacional, o peso de seu mercado interno, a significação de seu sistema financeiro e seu poderio militar) de utilizar-se de uma política monetária nacional independente das flutuações da taxa de câmbio ou até mesmo de utilizar essas flutuações como arma de guerra comercial contra seus competidores. A reversão do baixo crescimento econômico e da expansão do déficit comercial com o Japão foram favorecidos pela desvalorização do dólar após 1985.
Esse movimento da moeda norte-americana relativamente ao iene ampliou a "competitividade" norte-americana, funcionando como um efeito protecionista que favoreceu em muito o seu crescimento econômico. Em contrapartida, sua revalorização relativamente ao iene a partir de 1995 e, mais recentemente, diante do marco e do franco francês exerce importante papel desacelerador do crescimento interno, sem necessitar movidas mais acentuadas de suas taxas de juros.
No entanto, os inúmeros alertas e as crescentes dificuldades resultantes da instabilidade do câmbio e dos mercados financeiros, inclusive com a notável ampliação do risco de crise sistêmica, vêm tornando cada vez mais indispensável, por um lado, o seu difícil controle e regulamentação nos planos regional e internacional. Por outro, não é menos importante que, sobretudo nos países ditos emergentes, se busquem urgentes mecanismos defensivos e de redução de sua vulnerabilidade.
No Brasil, no entanto, como se não bastassem os sucessivos alertas internos (déficit comercial e de pagamentos, recente redução das reservas, desestruturação produtiva e do mercado de trabalho), também diante desse novo alerta externo nossas autoridades parecem fazer "ouvidos de mercador". Tratam, "contrario sensu", de reassumir o mesmo compromisso com credores e sistema financeiro, nomeando seu mentor para presidir o Banco Central.
Dessa forma, seguem renunciando à arbitragem dos diferentes interesses expressos na política econômica e em um projeto nacional e insistem na armadilha de crescimento medíocre, na maior subordinação ao financiamento externo e na menor autonomia das políticas econômicas nacionais, debilitando ainda mais nossa capacidade de resistência aos choques externos.

Jorge Eduardo Levi Mattoso, 47, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É autor de "Desordem do Trabalho" e organizador da coletânea "Crise e Trabalho no Brasil".

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