São Paulo, quinta-feira, 4 de setembro de 1997
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Doze anos de idade e ainda firme

DAVID DREW ZINGG
EM SAMPA

"A juventude seria um estado ideal -se acontecesse um pouco mais tarde na vida."Lord Asquith

Quando abri a edição de setembro da revista "GQ", levei um susto. Ali, na página 147, estava uma foto de Clay Felker, um velho amigo.
Conheço Clay desde a grande época pioneira quando ele criou um produto conhecido como "Novo Jornalismo". Isso foi na década de 50.
O "Novo Jornalismo" era um misto inovador de impressões em primeira pessoa e artifícios literários. Na página impressa, lia-se como um filme.
Estávamos no lugar que, na época, víamos como sendo o centro do mundo: Nova York. E nossa sede era no lugar que considerávamos o centro do jornalismo nova-iorquino, o edifício em formato de bolo de casamento que ainda está no mesmo lugar: Madison Avenue, número 488.
O edifício em questão abrigava a revista "Look", onde eu trabalhava, no 11º andar, e a revista "Esquire", onde Clay trabalhava, no 4º. Na década de 50, essas duas revistas ajudaram a moldar a atitude da Gringolândia, tanto política quanto social, para as grandes classes médias.
É claro que o "The New York Times" exercia um papel fundamental na formação do pensamento norte-americano, mas estamos falando em revistas. E também estamos falando na época anterior ao domínio da televisão, quando as pessoas realmente abriam e liam revistas para alimentar suas mentes.
O choque ao qual me refiro se deveu a uma foto de Clay que chamou minha atenção na "GQ". Ele parece uma daquelas tartarugas de 250 anos de idade que os pescadores capturam em redes.
Para dizer a mesma coisa em outras palavras, na foto Clay se assemelha muito ao velho Willie Nelson, enrugado e de ressaca, numa Manhã Bloody Mary.
A razão pela qual essa casca física me causou tanta surpresa é que, pelos meus cálculos, Clay Felker está com uns 12 anos de idade -e muito bem conservado.
Ele se assemelha muito a outro grande editor gringo, Ben Bradlee (você se lembra dele -é o editor que dirigiu a equipe de reportagem que expulsou aquele trambiqueiro do Richard Nixon da casa que ocupava em Washington, DC).
Bradlee também está com uns 12 anos de idade, apesar de sua carteira de motorista afirmar que, oficialmente, já está na casa dos 70.
Deve haver algo de muito saudável no jornalismo. Conheço o proprietário de um jornal de São Paulo que, em termos de tempo "real", já vive sua oitava década. Mas eu preferiria não ter que enfrentar uma corrida escada acima com ele, mesmo que o prêmio para o vencedor fosse um tijolo de ouro sólido.
Imaturidade adiantada
Existe um certo tipo de sujeito que se recusa a envelhecer. Ele se agarra naturalmente à juventude, por toda sua vida. Ele pode ter 70 e tantos aninhos, como tio Dave, mas, quando você partir para os pormenores, ele jura que na verdade tem uns 60 e tantos a menos.
Esse tipo de sujeito é incansavelmente curioso e atrevido e, pelo menos em termos de aparência, é um comediante nato. Ele é a versão cinematográfica do repórter de jornal. É menos Jimmy Stewart e muito mais Clark Gable. É uma condição conhecida como imaturidade adiantada.
Uns dois anos atrás, compareci a um evento muito chique realizado para levantar fundos para Clay Felker, no grande salão de bailes do chique hotel Pierre, em Nova York.
Foi uma festa e tanto, Joãozinho. Estavam presentes cerca de 750 membros do ramo editorial de revistas. Todos altamente treinados nas artes de autopreservação e assassinato moral.
A multidão se reunira para brindar o homem que passou quatro décadas de sua vida retratando o que o romancista Tom Wolfe (ele próprio criação de Felker) chamou de "a Nova York ambiciosa".
Gloria Steinem, que, para prazer dela, tio Dave chamou de "Golden Girl" (garota dourada), elogiou poeticamente o estilo de Felker ao escrever, "destituído de baboseiras". A festa simbolizou o último rugido fedorento desse grupo glamouroso de "novos jornalistas" já ligeiramente corcundas. Ela levantou a desprezível soma de meros US$ 2 milhões para o Centro Felker de Revistas da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Você conseguiria um empréstimo de um banco dando como garantia apenas os nomes de alguns dos presentes: Wolfe, Sheehy, Reeves, Hamill, Steinem, Bernstein, Glaser, Zuckermann e Kaufman (como em Elaine Kaufman, a "restauranteuse" e santa padroeira dos jornalistas nova-iorquinos).
Não faltaram brincadeiras sobre o gosto sempre "aristocrático" de Felker em termos de escritórios e residências. Tom Wolfe observou que Felker jantava fora praticamente todas as noites da semana.
Tanto assim que, num dos raros jantares que Felker ofereceu em seu próprio apartamento, Wolfe teria ouvido o editor perguntar a um empregado: "Afinal, onde fica minha maldita cozinha?"
O Leão no Inverno
Assim, em Berkeley, o Leão no Inverno de 70 e tantos anos, mas de 12, está treinando uma nova ninhada de focas para agitar o mundo editorial.
Dinâmico como sempre, Felker está repensando o futuro das revistas. Um observador que o conheceu muito tempo atrás diz que ele muda (com a Internet) mas permanece igual -ainda volátil, apaixonado, rude e direto até demais. Tudo isso com um brilho de incêndio florestal repentino.
Os jovens que estudam com ele na Escola de Jornalismo da Universidade da Califórnia também vivem em combustão criativa.
Uma de suas alunas conseguiu evitar a sobrevivência à base de seguro-desemprego, editando sozinha um zine dirigido a mães solteiras. O nome? "Hot Mama!"
Byron Dobell é outro velho amigo que trabalhava na revista "Life" e na "Esquire". Ele compara Felker a John Wesley, o orador protestante, que dizia: "Eu ateio fogo a mim mesmo, e as pessoas vêm me ver queimar". Soa exatamente como um editor jovem/velho que conheço.
Um editor modelo
Tio Dave sente profundo respeito pelos editores de jornais. Afinal, se não tivéssemos jornais, não saberíamos o que acontece no mundo, sem falar que, no dia seguinte, não teríamos com que embrulhar as bananas na feira.
Quando minha adoração fraqueja, eu me lembro de uma história que me foi contada por Milton Berle.
É noite do dia 24 de dezembro, véspera de Natal.
O velho e durão editor de Cidades de um jornal fala a um de seus repórteres: "Vá até o abrigo de sem-teto e faça uma matéria sobre a ceia de Natal deles. Depois vá até o asilo de idosos e escreva algo sobre o peru de Natal deles. Não se esqueça de dar uma passadinha na cadeia -os presos também vão ter um peru de Natal. Na volta, passe na lanchonete e pegue um hambúrguer e um café para mim".

Tradução Clara Allain.

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