São Paulo, quinta-feira, 4 de setembro de 1997
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O horror dos excluídos

AUGUSTO MARZAGÃO

Chama-se "O Horror Econômico" um dos livros de maior sucesso e impacto do momento. Em apenas 145 páginas, a escritora francesa Viviane Forrester lança um completo manifesto de inconformismo diante dos efeitos perversos da globalização da economia e do mercado no cenário em que hoje nos encontramos.
Num tom de sagrada indignação, ela denuncia a globalização como a implacável geradora da exclusão social da nova era, aquela representada pela multidão crescente dos desempregados.
O silêncio reinante no mundo intelectual diante do que está acontecendo levou a romancista, ensaísta e crítica literária a sair de sua rotina para vir dizer a todos os iludidos que as promessas paradisíacas da tecnologia e do consumo estão, na verdade, conduzindo a um pesadelo do qual ninguém sabe como sairemos.
Viviane Forrester não se deixa enganar pelo discurso do "pensamento único", segundo o qual as maravilhas do capitalismo pós-moderno estão inaugurando a grande nação planetária, preconizada na Carta das Nações Unidas e no pensamento dos utopistas.
Em vez disso, ela adverte que os empregos perdidos jamais voltarão, simplesmente porque pertenciam a um modelo de relações de produção que desapareceu para sempre.
Na sua opinião, passamos a viver um tempo em que o trabalho não tem mais quase nenhum poder de pressão sobre o capital, pois este precisa cada vez menos do esforço humano. Os trabalhadores nem mesmo encontram interessados em explorá-los, vendo-se então ser virada pelo avesso a teoria marxista.
As multidões que diariamente batem às portas das fábricas em busca de um emprego continuarão a praticar em vão esse humilhante exercício até o fim dos seus dias. Empregos extintos não serão recriados, porquanto substituídos pela automação inteligente, pela informatização prodigiosa.
A alucinante velocidade do capital não corresponde à mobilidade do trabalhador. O capital se desloca à velocidade da luz, pela fibra ótica das comunicações internacionais, em busca de melhor remuneração. As fábricas podem mudar de país com igual facilidade, instalando-se onde a mão-de-obra é menos exigente, mas o trabalhador está amarrado às suas contingências, às suas restrições físicas; assim, vai aceitando condições contratuais cada vez piores, tentando escapar ao desespero do desemprego e à dependência da assistência pública.
Os fervorosos da globalização procuram dourar a pílula, afirmando que as exclusões de hoje são transitórias, que oportunamente brilhará o sol da plena distribuição dos frutos do progresso. Viviane considera tudo isso pseudoverdades e aponta perspectivas sombrias para o gênero humano, a perdurar a atual tendência.
Ela levanta a hipótese de uma hegemonia econômica sem outro objetivo a não ser o da autoperpetuação, embasada em lucros crescentes. Nesse contexto, em que os valores éticos perdem todo o sentido, as grandes massas excluídas se converteriam num peso morto, sem nenhuma serventia na nova civilização que inauguramos no vestíbulo do terceiro milênio. A tentação totalitária não tardaria a se manifestar, vendo nos párias, nos intocáveis de amanhã um irritante obstáculo para a implantação da utopia globalizada.
E o que propõe a discutida autora de "O Horror Econômico"? Propõe a revolução do pensamento, a recuperação da capacidade crítica dos indivíduos para que eles saiam do entorpecimento geral, que abre espaço para todas as manobras do poder do mercado.
Alguns meses atrás, publiquei um artigo dizendo que o decantado fenômeno da globalização não passava da maior estratégia de marketing da história da civilização ocidental. Agora, diante do livro de Viviane Forrester, a reflexão que me ocorre é a de que o progresso da ciência, da tecnologia, da agricultura e da indústria compõe o patrimônio de toda a humanidade, e é a toda a humanidade que deve servir. Que não se aceite a divisão artificial, falsa, sem apoio em nenhuma justificativa moral, de um mundo feito de úteis e inúteis.

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