São Paulo, sábado, 6 de setembro de 1997
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Contra o aborto generalizado

SEVERINO CAVALCANTI

A pretendida regulamentação do artigo 128 do Código Penal é apenas ardiloso pretexto para tornar qualquer tipo de aborto um fato corriqueiro, livre de proibições legais. Não há o que regulamentar. O Código Penal brasileiro já permite que o aborto seja praticado quando a gravidez resultar de estupro ou puser em risco a vida da gestante. O projeto de lei nº 20/91 não regulamenta o diploma legal citado. Ele elimina as exigências para a comprovação do estupro. Atentem os leitores!
Com efeito, o projeto estabelece que basta a simples "apresentação do boletim policial de ocorrência" para justificar a prática abortiva no caso de estupro. Na prática, extingue a necessidade de um mínimo de indício da efetiva ocorrência do ato hediondo. Bastaria, se em lei fosse transformado, que uma mulher comparecesse a um distrito policial e comunicasse que fora estuprada para sair de lá com a autorização para se "livrar" do filho em gestação.
A análise do texto do projeto é o bastante para que fique bem clara a intenção dos seus autores, que é a de introduzir no Brasil, de forma sub-reptícia, a prática generalizada do aborto, repudiada pela maioria esmagadora da população, como atestam pesquisas de opinião recentemente realizadas (parte expressiva da população aceita as exceções previstas no Código Penal, o aborto no caso de estupro e risco de vida. Mais de 90% da população, contudo, repele a liberação do aborto).
No artigo 3º do projeto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara -e que nós vamos derrotar em plenário- está escrito que, "nos casos de gravidez resultante de estupro, o abortamento será realizado mediante apresentação de cópia do boletim policial de ocorrência ou de laudo do Instituto Médico Legal ('ou', não 'e')".
Ora, por certo que, se aprovado o projeto de lei nº 20/91, ficaria escancarada a porta para realizações de abortos em larga escala, por motivos pessoais, pois nem sequer a pretensa vítima estaria obrigada a indicar o responsável pela suposta violência.
Cabe acrescer que a realidade brasileira no tocante à esterilização feminina já é dramática; segundo dados recentes do IBGE, 77% das mulheres adultas no país já estão esterilizadas por algum método de contracepção. Somos o campeão mundial em esterilização.
Faço questão de ponderar, ante tanta celeuma provocada pelos que insistem na cultura da morte, que é um equívoco dirigir o olhar para o passado. O presente reclama atitudes firmes, que garantam um futuro melhor e mais feliz para a mulher e para a família.
Na "Evangelium Vitae", ao ressaltar o valor da vida, o papa João Paulo 2º aponta o caminho a seguir:
"Nessa perspectiva, convém sublinhar que não basta eliminar as leis iníquas. Mas terão de ser removidas as causas que favorecem os atentados contra a vida, sobretudo garantindo o devido apoio à família e à maternidade: a política familiar deve constituir o ponto fulcral e o motor de todas as políticas sociais".
Quando as pesquisas oficiais mostram que mais da metade da população brasileira vive em estado de miséria absoluta -os chamados excluídos-, entendemos que é hora de o Estado investir, de forma efetiva, na melhoria das condições de vida da família brasileira, oferecendo às mães -e a todos os chefes de família- condições de criar os seus filhos, adotando programas de educação, saúde e planejamento familiar sérios. Caso contrário, estaremos em breve ostentando mais um recorde lamentável: o de campeão mundial também em abortos incentivados e acobertados pelo Estado, como no caso da esterilização em massa, sem nenhuma mudança nesse quadro de miséria.
A questão do aborto não é apenas religiosa: é um problema social, moral e político. Precisamos de medidas que priorizem o social, de forma a remover as causas que favorecem os atentados contra a vida.
Esperamos que a acalorada discussão em torno de uma falsa regulamentação do dispositivo do Código Penal que trata do aborto tenha o mérito de colocar na pauta das prioridades nacionais -ao lado da proteção à vida e à família- a urgência das demandas sociais, que estão na raiz dos graves problemas enfrentados pela população na deterioração da moral e dos bons costumes.

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