São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Latinos querem fazer campanha pró-aborto

Iniciativa começa antes de o papa chegar ao Brasil

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

Centenas de entidades da América Latina e Caribe se preparam para lançar uma cruzada internacional pela descriminalização do aborto no continente.
Organizações de mulheres bem equipadas, mobilizadas e experientes estão há dois anos treinando e aparelhando grupos menores e menos ativos.
No próximo dia 28 de setembro -dia da "Despenalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe"-, grupos de quase todos os países se juntarão nessa cruzada. A campanha se inicia cinco dias antes da chegada do papa ao Rio.
Esse dia foi escolhido por lembrar a Lei do Ventre Livre, que no Brasil tornou libertos os filhos de escravos nascidos depois daquela data.
O movimento pela descriminalização do aborto foi o tema central do "1º Encontro Latino-Americano de Jornalistas sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos", realizado esta semana na Cidade do México.
O congresso foi organizado por duas ONGs mexicanas -Gire e Cimac- e teve o apoio de grupos de toda a América Latina.
Foram convidados os jornalistas que mais trataram do tema nos últimos 12 meses (leia texto abaixo).
Segundo o Fundo de População das Nações Unidas, dos 20 milhões de abortos clandestinos realizados anualmente no mundo, 4 milhões são feitos na América Latina.
Em decorrência da precariedade de condições em que eles são realizados, cerca de 70 mil mulheres morrem por ano.
Por trás dessas mortes -e de um número cinco vezes maior de vítimas de sequelas- estariam as legislações que criminalizam e penalizam o aborto.
As mulheres africanas que abortam são mais castigadas do que as latino-americanas.
Segundo dados divulgados no encontro do México, de todos os países latino-americanos e caribenhos apenas três permitem o aborto por decisão da própria mulher. São eles: Cuba, Guiana e Porto Rico.
Treze países -entre eles o Brasil- só o admitem em caso de risco de vida para a mãe ou de estupro. Outros 11 o permitem por razões de saúde da mãe ou malformação grave do feto.
Relatos de jornalistas mostraram que a crueldade nos casos de aborto vai além do que diz a lei. No Chile, por exemplo, 158 mulheres estão presas por ter abortado.
"Em 126 desses casos, elas foram denunciadas pelos médicos dentro dos hospitais", disse Maria Isabel Matamala, coordenadora da campanha "28 de setembro" no Chile.
Na Argentina, só a mulher "idiota ou demente" tem direito ao aborto em caso de estupro. "Parte-se do princípio de que mulheres sadias mentalmente podem se defender dos violadores", disse Claudia Regina Selser.
Na Nicarágua, o Código Penal, revisado em 1993, foi mais além: estabeleceu que, em caso de estupro, o autor seja considerado pai da criança que nascer, dando seu sobrenome a ela.
No Paraguai, o estuprador que se casa com a vítima não é punido. Em El Salvador, a lei que permitia aborto por violação e saúde acaba de ser derrubada.
Em quase todos os países onde se permite apenas o aborto terapêutico e por estupro, são raríssimos os casos realizados dentro da lei.
As exigências são tantas e as mulheres tão humilhadas que preferem a via clandestina.
Brasil, Peru, Chile e Argentina, entre outros, estão citados nesse rol.

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