São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Escatologia e mordida

OSIRIS LOPES FILHO

Há uma sutil ironia nos símbolos adotados pelo presidente FHC ao divulgar o que entende ser o sucesso do Real, no plano da propaganda.
O primeiro foi o frango. No país do futebol, é a prova do fracasso do goleiro. O segundo, o iogurte, denominação sofisticada para a tradicional coalhada, que tem como característica do seu processo de produção tornar azedo e fermentado o leite.
Finalmente, FHC divulga o novo símbolo propagandístico do êxito escatológico do seu governo: a dentadura.
É o símbolo exato da sua obra governamental. Como morde esse governo. Morde brutal e desajeitadamente, produto da utilização de uma dentadura que lhe altera a fala tradicional, falada ao longo de sua vida e que lhe marcou como homem de esquerda e da social-democracia, e que lhe compromete a biografia humanística, ao vocalizar o lengalenga do liberalismo.
A última mordida dessa dentadura presidencial, que vai doer no bolso do povo e nos custos das empresas nacionais, é a prorrogação da CPMF, por mais 11 meses. Poder-se-á dizer que a medida é tímida, diante da proposta do senador Roberto Freire de substituir o "P" de provisória por "P" de permanente, perene ou perpétua.
A CPMF tende a favorecer os produtos importados de duas formas: aumenta os custos da produção interna, tornando atraente o contrabando; e, ao elevar o custo da produção interna, induz o mercado a se abastecer de produtos estrangeiros, inalcançados pela CPMF no seu processo produtivo. Pune-se o produtor nacional.
A política tributária desse governo é "macunaímica", sem nenhum caráter. No seu bom-mocismo publicitário, ele anuncia o propósito de reduzir o "custo Brasil".
Todavia, a CPMF no campo tributário só faz aumentar o "custo Brasil", principalmente na área em que o governo resolveu concentrar suas energias, ao situar, como beneficiários dessa empreitada, não o povo brasileiro, mas o setor exportador.
A CPMF, por elevar artificialmente os nossos custos, juntamente com a supervalorização de nossa moeda, retira a competitividade de nossas exportações no mercado internacional.
O velho e desdentado leão do fisco ganha recauchutagem dessa nova dentadura, para facilitar-lhe a mordida e a trituração do povo e das empresas brasileiras, com a continuidade da CPMF.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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