São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Don't cry for me, Argentina

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

A integração sul-americana, historicamente, sempre esbarrou na animosidade entre argentinos e brasileiros. O Mercosul rompeu essas amarras e vem se consolidando como pólo de integração regional e também de atração de investimentos.
Na posição conjunta assumida por ambos os países no que se refere ao cronograma de formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), proposto pelos EUA, houve uma mostra de maturidade, apesar das recaídas argentinas, em priorizar a consolidação da formação do Mercosul.
Nas experiências de estabilização de ambos, há algumas diferenças. Enquanto a Argentina optou por um regime de câmbio fixo, o Brasil adotou a âncora cambial. Apesar das dificuldades, a Argentina conseguiu reverter o saldo negativo da balança comercial, que chegara a US$ 4,2 bilhões em 1994, para um superávit de US$ 2,2 bilhões em 1995 e de US$ 1,6 bilhão em 1996.
As suas exportações têm crescido, em valor, a taxas de 22% ao ano nos últimos três anos. O déficit em conta corrente se mantém prudentemente em 2% do PIB. O dado mais frágil fica por conta do desemprego, estimado em 18% da população.
Uma das perguntas mais frequentes aos economistas é o porquê de a Argentina ter sobrevivido em meio a tantas turbulências. Vários fatores podem ser levantados, mas gostaria aqui de apontar um aspecto específico, nem sempre perceptível: trata-se do papel do Mercosul e, especialmente, do Brasil nesse processo.
O fato é que, no âmbito do Mercosul, o comércio intra-regional se intensifica. O intercâmbio comercial Brasil-Argentina, as maiores economias do bloco, evoluiu de US$ 3 bilhões em 1991 para US$ 11,8 bilhões em 1996 -ou seja, quase triplicou, com nítida vantagem para a Argentina, como veremos a seguir.
O Mercosul já representa 16% das exportações brasileiras de janeiro a julho de 1997, logo depois de União Européia, com 29,4%, e EUA, com 18,5%. No âmbito do Mercosul, o destaque é para a Argentina, que responde por 11,9%. Nesse ponto, se a Argentina é importante para o Brasil, o Brasil é ainda mais importante para a Argentina, já que 33% das exportações argentinas têm o Brasil como destino.
Embora a moeda argentina tenha permanecido nominalmente fixa depois do Plano Cavallo, a introdução do real e a sua valorização representaram uma desvalorização relativa do peso argentino "vis-à-vis" a moeda brasileira, aumentando significativamente a competitividade dos produtos argentinos no nosso mercado.
Esse fator, aliado às facilidades do acordo regional, fez com que as exportações argentinas para o Brasil crescessem muito mais intensamente que as importações, de forma que o saldo positivo (de US$ 670 milhões em 1994) transformou-se em déficits comerciais de US$ 1,3 bilhão em 1995 e 1996 e US$ 1,6 bilhão nos 12 meses acumulados até maio de 1997. Ou seja, o superávit do comércio com o Brasil equivale, em montante, a todo o resultado favorável da balança comercial argentina em 1996.
Para o Brasil, a recente valorização do dólar diante das demais moedas fortes significa uma maior dificuldade competitiva nos mercados da Europa e Japão, que juntos perfizeram 33,3% da nossa pauta de exportações em 1996.
No período de janeiro a julho deste ano, o dólar valorizou-se 18,7% em relação ao marco alemão, 19,2% em relação ao franco francês e 17,4% em face da lira italiana. E aqui cabe perguntar: quem desempenhará, no atual cenário externo, o papel que o Brasil desempenhou para a Argentina?
Essa é a armadilha presente no aumento da vulnerabilidade externa, aqui entendida como o tendencial déficit em conta corrente brasileiro de 5% do PIB, já que a sua sustentação passa a depender de circunstâncias imprevisíveis.
A primeira e mais clara consequência é a limitação do crescimento econômico, dada pela restrição externa representada pela dependência de recursos em um mercado cada vez mais ágil e volátil -vide os recentes (anti) exemplos dos "novos tigres" asiáticos.
À Argentina talvez valesse lembrar Ulisses e o "falso canto das sereias"...

E-mail aclacer@mandic.com.br

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